
O Chile parece ser um laboratório de mudanças a serem adotadas pelos demais países.
Quando da derrubada do Governo socialista de Salvador Allende, em 1973, foi o primeiro país adotar políticas neoliberais, em uma época em que desenvolvimentismo ainda era o paradigma dominante. Ao longo do tempo, o modelo foi suavizado, ganhando contornos sociais-liberais, mas, em grande medida, na mesma linha.
Eis, então, que o país chega ao final da última década com uma grave crise social, muito em função do colapso do modelo previdenciário, que, ao contrário do brasileiro, é baseado em um modelo de capitalização e não solidário. Após décadas de contribuição, as contas individuais dos contribuintes não chegam a valores que possam manter os aposentados em condições dignas.
Essa crise social ocasionou uma revolta liderada por setores de esquerda, empunhando bandeiras da agenda identitária e indigenista, abrindo espaço para reivindicações de grupos pedindo a criação mesmo de um Estado Mapuche. Tudo ocasionou a convocação de uma assembleia constituinte, liderada por esses setores.
Eis que em final de fevereiro é apresentada uma proposta de artigo constitucional que prevê a não existência de forças armadas permanentes no Chile, a serem substituídas por uma “força de proteção e paz”, que poderia “cobrir funções a serviço dos cidadãos na vida cotidiana, tais como especialização em emergências nacionais ou locais, salvamentos terrestres e marítimos, combate profissional a incêndios urbanos, rurais e florestais, proteção permanente de fronteiras e fronteiras costeiras”, segundo o texto da proposta.
Não que essas funções não sejam primordiais para o bem-estar dos seus cidadãos, mas as mesmas podem ser de competência das forças armadas ou de uma guarda de defesa civil. Trata-se de uma decisão de caráter ideológico.
Os chilenos, rivais históricos dos argentinos, poderiam procurar saber o que acontece na Argentina, um país que tem suas forças armadas diminuídas desde o fim do governo militar em 1983. Hoje, mal consegue defender seu mar territorial e plataforma continental não só de navios militares de outras potências, mas de embarcações pesqueiras que realizam pesca predatória, ao arrepio das leis argentinas.
O Chile, que historicamente tem uma das marinhas mais fortes do continente e lhe permitiu derrotar a Bolívia e o Peru no século XIX, pode seguir pelo mesmo rumo. É possível que o fim das forças armadas como instituição permanente não seja adotada e seja rejeitada pela assembleia constituinte, mas, muito provavelmente, elas saíram enfraquecidas e com o orçamento reduzido.
A piada que se faz, é que, desse jeito, quem sabe os bolivianos não possam chegar ao mar?