
Por Lorenzo Carrasco.
Ao mesmo tempo em que os poderes globais se empenham em convencer o planeta de um iminente apocalipse ambiental, oferecendo uma solução milagrosa para preveni-lo, com as políticas de “sequestro” e impostos sobre as emissões de carbono (na realidade, a venda de ativos financeiros baseados no “direito de poluir” ou créditos de carbono), o sistema financeiro euroatlântico começou a soar o alarme de que as suas receitas monetaristas não estão funcionando.
Este foi o teor da última reunião dos chefes dos principais bancos centrais em Jackson Hole, nos Estados Unidos, no final de agosto. A presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, sintetizou o sentimento do Olimpo financeiro: “Não há manual preexistente para a situação que estamos enfrentando. Então, a nossa tarefa é rascunhar um novo.”
O problema de fundo é que a “ordem mundial baseada em regras”, ou seja, as regras do poder hegemônico, não funciona mais. O mundo, que presenciou três décadas de bombardeios e destruição de nações como método para impor as regras da “Nova Ordem Mundial”, perdeu todo o medo que tinha dessa estrutura hegemônica. A rigor, as autoridades monetárias transatlânticas não sabem que fazer, tendo que fazer pousar uma nave colossal que foi elevada às alturas pela chamada “facilitação quantitativa” (quantitative easing), a emissão descontrolada de crédito sob condições de juros negativos, e agora estão às voltas com uma economia dopada com essa “overdose” especulativa.
A velha receita de elevar os juros para tentar conter uma inflação crescente e imprevisível, como vem acontecendo, pode precipitar uma onda de bancarrotas, como ocorreu com o Silicon Valley Bank, acompanhada por demissões maciças da força de trabalho, com evidentes e perigosos impactos sociais. A tarefa equivale a um pouso forçado de um avião com falhas estruturais em meio a uma severa tempestade.
Vários são os fatores que provocaram a atual tendência inflacionaria global: desde a desaceleração econômica da China, gerada por uma séria crise imobiliária, ao processo de “desglobalização” manifestado claramente durante a pandemia de Covid-19, que desnudou os problemas das cadeias de fornecimento globais, comprometendo uma resposta eficaz durante a fase mais aguda da crise. Tudo isto acarretou uma elevação de custos no interior das principais economias.
Ademais, há os graves problemas acarretados pelas sanções ocidentais contra a Rússia. Sanções desenhadas para infligir graves danos na economia e com a expectativa de que teriam um efeito imediato, capaz de levar a Rússia a ceder às pressões, aceitar uma degradação de seu status de potência mundial – “um posto de gasolina e gás com bomba nuclear”, como o definiu o chanceler europeu Joseph Borrell –, o que restabeleceria a seguir o abastecimento de petróleo, gás e alimentos aos seus sócios ocidentais a preços menores.
Entretanto, ocorreu um efeito bumerangue. Primeiro, as sanções comprometeram a própria credibilidade do sistema financeiro e bancário ocidental, ao congelar fundos públicos e privados russos. Muitos países começaram a planejar sair do sistema, buscando negociar acordos comerciais em suas próprias moedas. Este não foi apenas o caso da China com a Rússia, mas também a Índia e, mais recentemente, a Arábia Saudita, para citar apenas os mais importantes. Ao mesmo tempo, o perfil das reservas mudou, com ênfase na compra de ouro.
No que era apenas uma tendência incipiente, o dólar começou, ainda que lentamente, a deixar de ser uma moeda de reserva confiável, e o petrodólar está com os dias contados. Mais grave ainda, toda essa movimentação geopolítica tem afetado a credibilidade dos “Treasury bonds”, que deixam de ser um refúgio seguro. A reunião de Jackson Hole foi a demonstração de que o conflito na Ucrânia se converteu em uma golpe hipersônico na credibilidade das instituições monetárias. O Olimpo deveria pensar em seu fundo de pensão.