
Por Wellington Calasans
A teoria constitucional da separação de poderes, característica que é motivo de orgulho entre os “civilizados”, está sob ameaça em todos os países autoproclamados “democráticos”.
Nas últimas décadas, há uma visível evolução e aperfeiçoamento da invasão da justiça na política e a redução da importância dos poderes eleitos através do voto. Uma nítida redução da soberania popular.
A operação Mãos Limpas, que aconteceu nos anos 1990 na Itália, por exemplo, inspirou a Lava Jato que permitiu a um então juiz (medíocre) de Primeira Instância como Sérgio Moro, poderes de um imperador. Nos dois casos, houve o enfraquecimento do Estado como consequência.
Os conceitos de poder e política, além da abordagem doutrinária e jurisprudencial sobre o tema, estão cada vez mais obsoletos. Isto decorre da inaplicabilidade prática ou distorções permanentes das normas derivadas da separação de poderes, implodindo assim as relações institucionais entre os entes públicos.
Nos países “civilizados” há um perigoso e crescente modelo de ativismo judicial, muitas vezes apresentado pela imprensa como “combate à corrupção” ou “combate ao fascismo”. Na prática é apenas uma maquiagem para a “ditadura togada”.
Isso ajuda a explicar o surgimento de uma “extrema-direita” (pausa para rir) completamente domesticada e que cumpre o papel de espantalho na estratégia neoliberal de reduzir a zero as decisões soberanas do povo.
Enquanto isso, uma agenda econômica que amplia a concentração da riqueza é imposta goela abaixo dos cidadãos. No debate, pautas impostas pela (anti)cultura woke.
O especial destaque dado aos supostos aspectos positivos desta “ditadura dos togados” é um projeto. Na verdade, quando agentes da justiça, não eleitos pelo povo, assumem o executivo e o legislativo, os destaques são todos negativos, pois provocam reflexos nefastos à sociedade contemporânea.
O chamado Estado democrático de direito, sua concepção e o desenvolvimento histórico da teoria da separação de poderes, são vilipendiados todos os dias.
É cada vez menos relevante a importância dada à separação dos poderes na organização e funcionamento do Estado contemporâneo, incluindo críticas ao sistema e à judicialização na sociedade moderna. Assim, não é exagero afirmar que as “democracias ocidentais” são apenas teóricas.
O fenômeno do ativismo judicial e sua relação com a autocontenção, deve ser investigado com preocupação em decorrência das suas implicações político-sociais.
Sem a separação de poderes, o ativismo judicial e seus desdobramentos impõem a necessidade de ser estabelecido um novo caminho para que seja garantido o equilíbrio e preservação daquilo que é chamado de democracia e o Estado de Direito.
O funcionamento do Estado está ameaçado. O Estado tem sido esfacelado por modelos liberal, social e subsidiário, que produzem intermináveis conflitos e promovem o fim do bem-estar social.
Há em curso um modelo intervencionista. A ideia da existência dos três poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) que – em tese – exercem funções distintas, não se sustenta mais.
O ideal de que os poderes – mesmo que separados – fortalecessem um poder desejado que fosse uno e indivisível, o tal do “poder que emana do povo”, é um ideal incompatível com a necessidade neoliberal da redução do poder de decisão dos cidadãos.
Parlamentarismo e Presidencialismo acabam reduzidos ao mesmo princípio: ambos são liderados pelo judiciário. Isso não é liberdade, isso não é “democracia”.
Desta maneira , as funções do Judiciário ultrapassam em muito o julgamento de demandas sociais, interpretação constitucional e criação de regimentos internos.
A intervenção da justiça tem ultrapassado os casos de “estado de coisas inconstitucional” e análise concentrada da constitucionalidade de leis.
Este atual poder de “imperador” do Judiciário é potencializado pelos “espantalhos da extrema-direita” e por uma predominante mediocridade na representatividade democrática, que nivela por baixo os grupos políticos.
A judicialização das relações político-sociais é um fenômeno mundial onde o Judiciário resolve questões sociais, morais e políticas estrategicamente não resolvidas pelos demais poderes.
A consequência é a resolução de questões públicas e privadas pelo Judiciário, incluindo temas como constituição familiar e educação infantil. Daí a predominante adaptação das leis às demandas da (anti)cultura woke, um artifício do neoliberalismo para o enfraquecimento da família e todas as grandes concentrações de forças populares.
O fenômeno da judicialização decorre da falta de opções legislativas ou executivas, que nasce nas prévias dos partidos, colocando o juiz para desempenhar um papel central na resolução de questões sociais. É o ativismo neoliberal pela via judicial.
O ativismo neoliberal envolve uma participação mais ampla e intensa do judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, interferindo no espaço de atuação dos outros poderes.
Com isso, distorce a interpretação da lei, levando a uma ruptura na estrutura de poderes e à criação de novos textos legais sem emenda constitucional. É a ditadura perfumada e vestida de toga.
É fundamental questionar a legitimidade e os limites do poder judiciário para garantir uma maior limitação ao poder estatal e devolvê-lo ao povo. As liberdades estão ameaçadas.
Na imprensa alternativa
O povo alemão tem fama de documentar tudo, até mesmo coisas que não deveriam ser documentadas.
O dramaturgo americano C.J. Hopkins enfrenta acusações na Alemanha por “disseminação de propaganda” devido a uma imagem em sua obra “The Rise of the New Normal Reich” (foto).
Hopkins foi a julgamento e foi absolvido, mas o promotor entrou com recurso, levando o caso a uma nova instância.
O argumento da acusação baseia-se numa interpretação bizarra de crime de ódio, sugerindo que se uma imagem requer reflexão para ser compreendida como sátira, então não pode ser permitida.
Hopkins destaca que o fenômeno da censura está se espalhando por diversas “democracias ocidentais”, não se limitando aos Estados Unidos.
O caso de Hopkins recebeu cobertura limitada da mídia tradicional, mas teve destaque em veículos de mídia alternativa.
O autor ressalta a ampla abrangência dessas questões, citando exemplos como a polícia escocesa sendo instruída a reprimir discursos de ódio até mesmo em performances cômicas e peças teatrais.
Hopkins alerta para a necessidade de conscientização sobre o fato de que as antigas regras não se aplicam mais diante dessas crescentes ameaças à liberdade de expressão.
Nota deste observador distante
O neoliberalismo domina a justiça e, através dela, transfere para as mãos de poucos o Estado que esses mesmos neoliberais fingem combater.
A (anti)cultura woke é o entretenimento, mas também é a “sutileza” (cuidado com as sutilezas!) para a aplicação social do “dividir para governar”.
Por isso, enquanto pautas identitárias são debatidas, a economia sai do debate e morrem as suadas conquistas das gerações anteriores.
A invasão da justiça na política é o fim da “democracia ocidental”, pois é uma ditadura em si mesma.