Por Raphael Machado.
Depois do horrendo atentado terrorista no Crocus City Hall, perto de Moscou, há alguns dias, muitos analistas se perguntaram sobre qual seria a reação de Moscou no entorno internacional, no que concerne países potencialmente envolvidos, dos EUA à Ucrânia, mas sem esquecer os vínculos percebidos no Tajiquistão e na Turquia.
Algumas mudanças já foram detectadas, já que a Rússia bombardeou prédios importantes da inteligência ucraniana, causando um dano em mortos, feridos e perdas materiais que Kiev prefere não divulgar. Algumas articulações internacionais também garantiram a prisão de possíveis colaboradores do atentado em questão na Turquia.
Outros desenvolvimentos nessa direção, inclusive no que concerne retaliações pelos ataques, virão conforme as próprias autoridades russas receberem mais informações sobre os resultados das investigações.
Mas um tema tão importante quanto possíveis mudanças de postura na operação militar especial e nas relações internacionais são as mudanças que tem sido demandadas pelo povo russo após o massacre.
Em primeiro lugar, uma das discussões mais importantes da Rússia hoje é a restauração da pena de morte. A pena de morte não foi abolida na Rússia, sendo prevista no Código Penal para os crimes mais graves contra a vida, como o homicídio com agravantes, o assassinato de servidores públicos e o genocídio.
Não obstante, em 1996 o então presidente Bóris Iéltsin impôs uma moratória “informal” nas execuções com o objetivo de colocar a Rússia dentro do Conselho da Europa. Essa moratória foi formalizada juridicamente pela Corte Constitucional da Rússia em 1999, de modo que há quase 30 anos já não há execuções por lá.
Observe-se, porém, que continua havendo previsão legal para a aplicação da pena de morte. Ademais, a Rússia foi expulsa do Conselho da Europa em março de 2022, de modo que a justificação política para a moratória de execuções não existe mais.
A opinião pública em relação ao retorno da pena de morte é favorável. Uma pesquisa feita por uma agência com vínculos com o Departamento de Estado dos EUA (o Levada Center) apontava em 2019 que 49% dos russos eram favoráveis ao retorno da pena de morte. 19% queriam a sua abolição. É de se esperar que a proporção daqueles que querem o retorno da pena de morte, pelo menos para terroristas e traidores deve ser, hoje, muito maior do que em 2019.
Em atendimento a essas demandas, deputados do Partido Rússia Unida (governista) estão se mobilizando para empreender as mudanças necessárias para reativar a pena capital.
Outro tema abordado é a questão das armas. Em geral, seguranças russos não portam armas. Pelo menos no contexto do atual conflito e das ameaças terroristas, discute-se a necessidade de que os seguranças de locais públicos portem armas para lidar com situações emergenciais desse tipo. É visível que seguranças armados fariam uma diferença significativa nesse atentado.
Quando ao porte de armas em geral na Rússia, ela segue critérios bastante racionais e razoáveis, sendo menos restrito que no Brasil, mas mais restrito que em parte considerável dos EUA.
Existe na Rússia o equivalente ao CAC, mas também a posse de armas para autodefesa, que não obstante deve ser mantida em casa – seu propósito é para defesa do lar, da família, da propriedade, em caso de invasão, roubo ou tentativa de sequestro.
Ademais, para poder adquirir um rifle é necessário ter tido posse de arma mais leve por vários anos sem qualquer tipo de incidente.
O tema mais debatido hoje, porém, é a necessidade de melhor controlar a imigração na Rússia. Não apenas a ilegal, mas a imigração em geral.
Com todos os responsáveis diretos pelo atentado terrorista sendo tajiques que teriam entrado legalmente na Rússia, chama-se atenção para a lassidão da Rússia com suas próprias fronteiras (que são, como todos sabem, imensas).
A Rússia está longe de ser tão frouxa quanto a Europa neste tema, mas é um fato, por exemplo, que nos últimos 2 anos aproximadamente 100 mil tajiques entraram na Rússia por ano. Em geral, a imigração para a Rússia possui natureza temporária, sendo para o exercício de trabalhos temporários, com o migrante tendo que sair do país ao término do visto (o que alguns burlam para ficar ilegalmente no país).
Essas migrações, diferentemente das imigrações na Europa, não possuem o potencial de alterar significativamente a demografia nacional russa, mas pelo pouco controle representam um risco à segurança nacional.
Intelectuais orgânicos da Rússia com influência na sociedade civil, como Alexander Dugin, demandam uma redução drástica e um maior controle estatal sobre esses fluxos, bem como a consagração do caráter essencialmente “russo” do Estado, como núcleo da politeia imperial da Rússia.
Pode-se esperar um aumento nas deportações de imigrantes ilegais, bem como critérios mais rígidos para a concessão de visto e de cidadania, como um maior conhecimento do idioma e um comprometimento explícito com os valores nacionais.
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