Como se dava apuração de resultados, por via eletrônica, das eleições, antes de 2020? As apurações eram feitas pelos Tribunais Regionais Eleitorais (TRE´s) de cada estado, que, depois de computados, eram enviados ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que oficializava o resultado, fazendo a computação dos dados das eleições presidenciais, quando essas ocorriam.
Neste ano, os TRE´s enviaram os dados diretamente para o TSE, que ficou incumbido de realizar toda a apuração dos dados. Aí, segundo versões oficiais, confirmadas pelo Presidente do TSE, Ministro Luís Roberto Barroso, teriam ocorrido dois problemas:
(1) Uma tentativa de ataque ao sistema de informações do TSE, realizado na manhã de domingo, dia 15, dia das eleições. Segundo Barroso, esse ataque teria origem no exterior. Matéria na Agência Brasil, credita tal ataque de origem em computadores na Nova Zelândia. Na internet, um grupo chamado CyberTeam vazou informações coletadas do sistema do TSE.
(2) Após o término do período de votação, a apuração centralizada pelo TSE começou a dar problemas, ficando desatualizadas por horas. Na cidade de São Paulo, a apuração ficou paralisada por horas com 0,39% das urnas apuradas, indicando já o resultado de Bruno Covas (PSDB), em primeiro, e Guilherme Boulos (PSOL), em segundo, apontando o resultado para o segundo turno. Diversas cidades do estado ficaram horas sem apuração.
Segundo Barroso, a decisão de centralizar teria ocorrido antes de assumir a presidência do TSE, por orientação de peritos da Polícia Federal. A centralização traria mais segurança e economicidade na apuração das eleições, apesar de se manifestar, segundo suas próprias palavras, “pouca simpatia” pela medida.
Em março de 2020, foi estabelecido um contrato entre o TSE e o Oracle. Poe ele, a empresa estadunidense ficaria responsável pelo armazenamento de dados da eleição. A Lei de Contratos Administrativos e Licitações, a 8.666/93, estipula que os contratos entre a Administração Pública e entidades privadas tem como regra que sejam feitos procedimentos licitatórios antes dos contratos, admitindo, porém, que ela não seja exigível em alguns casos, conforme diz a letra da lei:
“Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:
I – para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;”
Em nota, o TSE afirmou que contrata a Oracle desde 1996, quando se iniciaram as votações eletrônicas no Brasil. Contudo, já naquela época vigorava a Lei 8.666/93, com todos os seus detalhes a respeito das exigências quanto às licitações, ao mesmo tempo em que um órgão público como o TSE manifestava sua “preferência de marca”.
Por sua vez, o TSE justificou a inexigibilidade da licitação com base em uma certidão da Associação Brasileira de Empresas de Software com o seguinte teor: “A Oracle do Brasil Sistemas Ltda. detém exclusividade para vender serviços de cloud Oracle para entidades da Administração Pública, nas contratações cujo objeto seja exclusivamente a prestação de serviços de cloud Oracle, ou seja, sem qualquer serviço agregado relacionado ao cloud Oracle”.
Pelo contrato, a Oracle se comprometeu a disponibilizar no prédio do TSE dois dispositivos de processamento: o Exadata X8 Full Racke o Exadata X8 Half Rack. O problema na lentidão da apuração de dados teria ocorrido no desligamento do primeiro aparelho, a despeito do contrato da nuvem do Oracle ter custado aos cofres públicos R$ 26 milhões.
É comum uma crítica à opção do TSE quando outras empresas poderiam prestar o mesmo serviço, como a Amazon, Microsoft e Google oferecem serviços semelhantes. Contudo, o que nos salta os olhos é o pouco caso com a segurança de dados pelo Estado brasileiro, que, ao invés de fortalecer órgãos públicos, com tecnologia própria para tal, prefere delegar o armazenamento de dados eleitorais a uma empresa estrangeira sediada nos Estados Unidos, logo controlada, diretamente ou não, por aquele Estado. Enquanto isso, a Dataprev, SERPRO e outras entidades que poderiam fazer o serviço seguem sucateadas e passíveis de privatização. Nosso país não tem – nem os governos anteriores – uma política estratégica de proteção de dados.
O assunto, contudo, não motiva a discussão nas redes sociais de expoentes da Oposição /Esquerda /”Campo Progressista” etc. Foi-se o tempo em que uma figura da estatura de um Leonel Brizola faria um estardalhaço a respeito do ocorrido, cabendo as suspeitas de fraude às redes bolsonaristas, já que o próprio Presidente da República preferiu cantar vitória, a respeito de uma dúbia confirmação de uma “onda conservadora” nas eleições do dia 15. Assim, a suspeita sobre o modelo de eleição e sobre a relação TSE/Oracle é, com pouquíssimas exceções (Roberto Requião), vista como crítica demagógica de apoiadores de Bolsonaro, impactados com a suposta ascensão do PSOL na ida ao segundo turno de Guilherme Boulos.