Segundo o jornal brasileiro O Estado de S. Paulo, um grupo de assessores com funções militares foi enviado em 1975 pelo Brasil para apoiar na guerra civil a ofensiva da Frente de Libertação Nacional de Angola (FNLA). Comandada por Holden Roberto, a FNLA lutava no Norte do país contra o governo do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), de orientação marxista, que controlava a capital, Luanda.
Os assessores seriam precursores. Em caso de vitória de Roberto, o governo brasileiro enviaria tropas para Angola. Mas, liderado por Agostinho Neto, o MPLA venceria a guerra civil com o apoio de tropas cubanas e de assessores soviéticos. Presidido pelo general Ernesto Geisel, o Brasil seria o primeiro país a reconhecer o governo do MPLA, em 11 de Novembro de 1975, dia da independência de Angola, então colônia de Portugal.
A ação brasileira em África permaneceu em sigilo por mais de 30 anos. EUA, Zaire (atual República Democrática do Congo) e África do Sul também apoiaram militarmente – com homens, dinheiro e equipamentos – a ofensiva do FNLA nos meses anteriores à independência.
A ajuda brasileira à FNLA foi feita por 12 especialistas em explosivos arregimentados pelo Serviço Nacional de Informações (SNI). Eles trabalharam dando instrução às tropas de Roberto – que era cunhado do Presidente do Zaire, Mobuto Sese Seko –, desminando terreno e preparando explosivos.
Seis deles permaneceram até à ofensiva final a Luanda e participaram da Batalha de Quifangondo, que decidiu a primeira fase da guerra civil. Liderados pelo carioca polícia civil José Paulo Boneschi, o grupo contava com agentes que receberam instrução de contraguerrilha no Corpo de Fuzileiros Navais da Marinha, no Rio, em 1973.
“Eles fizeram o curso (no Corpo de Fuzileiros) comigo. Conheci toda a turma. A ordem para a operação em Angola veio do Geisel”, afirmou o Doutor Pimenta. Capitão de Mar e Guerra reformado, Pimenta trabalhou quase duas décadas no Centro de Inteligência da Marinha.
Quem desenrolou o novelo da participação brasileira na guerra civil foi a investigadora Gisele Lobato, do Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa. Ela localizou no arquivo público do Rio de Janeiro o único documento oficial, por enquanto, de que se tem notícia da missão. Feito pela Brigada Paraquedista, em Janeiro de 1976, ele afirma que Boneschi estava a preparar um relatório sobre o tema para o SNI. O Estado refez os caminhos da investigadora e confirmou com três antigos membros dos órgãos de informações militares brasileiros e com um veterano da guerra em Angola a existência da missão.
Pedro Marangoni, veterano dos combates às portas de Luanda, mantém fotos que atestam a presença dos brasileiros em Angola. Marangoni encontrara os homens de Boneschi por acaso. Tinha-se reunido a uma companhia de 155 portugueses liderada pelo coronel Gilberto Santos e Castro e pelo major Álvaro Alves Cardoso, que deixaram o Exército do país após a Revolução dos Cravos, a 25 de Abril de 1974, para continuar a combater grupos marxistas nas colónias do império lusitano.
“Quando cheguei, em Agosto, a Ambriz (Norte de Angola), Boneschi já estava lá”, diz Marangoni. Quem também testemunhou a presença dos brasileiros foi o então agente da CIA, John Stockwell, que a registrou no seu livro Em Busca de Inimigos, publicado em 1978.
CIA
Quando Stockwell publicou a foto de “um major brasileiro” ao lado de Holden Roberto, o Exército brasileiro negou que tivesse enviado a Angola qualquer grupo militar para intervir na guerra civil. O “major” na foto não era major. Era Boneschi, um polícia da Guanabara, ligado a um grupo de elite da Secretaria da Segurança Pública, que participava da repressão política de então.
“Ele (Boneschi) que prendeu o Cesar Benjamin, do MR-8”, contou ao Estado o Doutor Pirilo, agente do Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica (CISA). Pirilo morreu em 2018. Tanto na foto de Stockwell quanto nas imagens guardadas por Maragoni, Boneschi veste uma farda militar.
Stockwell estava em Angola como representante da CIA, que pôs US$ 16 milhões nas mãos de Mobutu para serem repassados à FNLA. A ideia era que a guerrilha tomasse a capital antes da data marcada por Portugal para conceder a independência, a11 de Novembro, e assim impedir que o País entrasse na órbita soviética.
Pirilo confirmou a existência da missão e, embora não tivesse provas, acreditava que ela tinha sido uma iniciativa do SNI, chefiado pelo general João Baptista Figueiredo, que sucederia a Geisel na Presidência.
O coronel Paulo César Amendola, secretário municipal de Ordem Pública do Rio, fundador do BOPE e homem ligado a Boneschi e ao DOI (Destacamento de Operações de Informações), do 1.º Exército, confirmou que a missão era do conhecimento do SNI. “O Brasil não poderia se comprometer de início. Por isso, enviou a missão de forma clandestina. Eram precursores. O Boneschi me disse que, se a FNLA entrasse em Luanda, o Brasil enviaria tropas, com apoio americano, a Angola.”
Boneschi estava em Ambriz desde Julho de 1975. Em Agosto, chegaram Marangoni e os comandos portugueses. Um mês depois, era vez da equipa de Boneschi. Metade voltou ao Brasil em Outubro. Os restantes ficaram até alguns dias após a independência, quando receberam uma mensagem via rádio com a ordem de retirada. Maragoni conta que conversava com Boneschi, quando a ordem chegou. “Vi o seu desgosto.” O Brasil havia reconhecido o governo do MPLA. A missão secreta de ajuda ao FNLA chegara ao fim.
Fonte: O Estado de São Paulo