
Supporters of ousted Peruvian President Martin Vizcarra, who was removed in an impeachment vote late Monday, demonstrate against the new government in Lima on November 10, 2020. - Speaker of Congress Manuel Merino assumed office Tuesday as Peru's third president in four years, amid street protests and market jitters after the impeachment of Martin Vizcarra over corruption allegations. (Photo by Ernesto BENAVIDES / AFP)
Da equipe do Portal Bonifácio
O Peru, país sul-americano que ao longo do século XXI apresentou taxas de crescimento elevadas e acima da média de seus vizinhos, atravessa um momento bastante particular de crônica instabilidade política. Refletindo problemas e inconsistências institucionais que iniciaram ainda com a destituição de Fujimori por “incapacidade moral” no ano 2000, o Peru recentemente empossou o seu quarto presidente dentro de uma mesma gestão, iniciada em 2016 com a eleição de Pedro Pablo Kuczynski, conhecido como PPK.
A solução encontrada em 2000 para a destituição de Fujimori, que envolveu a aplicação do argumento de “incapacidade moral” para legitimar a retirada do então presidente peruano, tornou-se um precedente perigoso e que se combinou a escândalos de corrupção com acusações contra outros presidentes do país.
Além de Kuczynski, três ex-presidentes foram alvo de suspeições de corrupção envolvendo sustentáculos da Operação Lava-Jato no país. Alejandro Toledo, que governou entre 2001 e 2006, é acusado de ter recebido suborno de US$ 20 milhões da Odebrecht quando comandava o país. Alan García, que presidiu o país em duas ocasiões (1985-1990 e 2006-2011) e constitui uma figura histórica da política peruana, também respondia por incriminações envolvendo a empreiteira brasileira.
Diferentemente de Toledo, que fugiu para os Estados Unidos, García cometeu suicídio em sua casa, em Lima. Já Ollanta Humala (2011-2016) foi preso em 2017, tendo sido também acusado de participação no esquema da Odebrecht. O processo, contudo, não avançou, e o ex-presidente recebeu o direito de ir para o regime de prisão domiciliar enquanto as investigações prosseguem.

Convém destacar que as acusações decorreram em um momento posterior ao término desses mandatos, tendo sido resultado da Comisión Lava Jato, que, inaugurada no final de 2015, foi retomada no início do governo PPK com o objetivo de finalizar investigações inconclusas. Contando com a cooperação e informações do Ministério Público brasileiro e do Departamento de Justiça e Tesouro estadunidenses, as acusações acima referidas vieram à tona, respingando inclusive no governo de PPK, acusado de prestar assessoria à empresa brasileira entre 2004 e 2007.
Em 2016, PPK foi eleito presidente do Peru, em uma vitória apertada sobre Keiko Fujimori. Desde o início de seu governo, foi alvo de ativa posição dos aliados de Fujimori. O agora ex-presidente foi também acusado de envolvimento com escândalo com a Odebrecht durante a época em que trabalhou como ministro de Alejandro Toledo. Acabou renunciando ao cargo, mas ainda assim foi preso. Atualmente, cumpre prisão preventiva domiciliar, à espera de julgamento.
A despeito das instabilidades políticas desencadeadas por acusações de corrupção e fragilidades institucionais, o Peru mantinha-se no cenário sul-americano como um país que tinha uma estabilidade política – as transições de governo ocorreram de forma tranquila – e uma performance econômica satisfatória, acima das média dos vizinhos, em parte motivada pelo aumento da produção e exportações de cobre, sobretudo para a China.
Nos últimos meses, contudo, a situação se agrava e o que se percebe é uma deterioração institucional somada às crises sociais, econômicas e sanitárias decorrentes da pandemia da Covid-19. Cabe recordar que, no caso da pandemia, o Peru é o país sul-americano que apresenta os piores indicadores em termos per capita, inclusive em relação ao Brasil.
Com a renúncia de PPK em março de 2018, Martín Vizcarra, vice-presidente com pouca expressão, ascendeu ao poder graças à Lava Jato. Chegou, inclusive, a declarar que era um fã entusiasmado da Operação.Ao final de 2019, dissolveu o Congresso, que por sua vez tentou afastá-lo no dia seguinte. O Tribunal Constitucional, contudo, acatou a demanda de Vizcarra.
Com a eleição de um novo parlamento no começo de 2020, o partido de Keiko Fujimori, que fazia ampla oposição à Vizcarra, teve uma redução significativa. Vizcarra desfrutava de uma aprovação de 80%, bastante acima da média dos outros presidentes peruanos, embora não tivesse partido com representação no Congresso – o Peruano Por el Kambio, PPK, desapareceu.
Sem bancada e com relações conflituosas com o Congresso, o ex-presidente Martín Vizcarra já havia sobrevivido a uma votação de impeachment em setembro, quando era acusado de realizar contratos irregulares com o cantor Richard Cisneros. Cerca de um mês depois, começaram a emergir novas denúncias contra Vizcarra, envolvendo um suposto recebimento de suborno durante seu mandato como governador em Moquegua, entre 2011 e 2014. As acusações, partes da saga da Lava Jato, eram de que o então mandatário havia recebido propinas para favorecer que empresas privadas participassem da construção do Hospital Regional de Moquegua.
Sob a liderança de Manuel Merino, presidente do Congresso, Vizcarra foi julgado sob o argumento de “incapacidade moral”, conforme ocorrido com Fujimori em 2000. Desta vez, Merino conseguiu os votos suficientes e, em um processo bastante acelerado, destituiu Vizcarra. O então presidente não contestou a decisão do Congresso e afirmou que não tomaria nenhuma medida legal.
Em um contexto de amplo apoio popular ao presidente destituído, combinado ao descrédito do Congresso frente à opinião pública, eclodiram uma série de protestos na capital Lima e em outras cidades do Peru. Os peruanos, cientes de que 68 dos 130 congressistas também são acusados de corrupção, viram a saída de Vizcarra como um assalto ao poder por parte de Merino. As manifestações contra Merino, protagonizadas pela juventude e que resultaram em uma série de feridos e duas mortes, acabaram pressionando o outrora presidente do Congresso a renunciar.
Com a saída de Merino, o Congresso colocou na presidência Francisco Sagasti Hochhauser, terceiro líder do país em apenas uma semana. Apresentado como político de centro e com perfil técnico, Sagasti assume a presidência de forma interina e tem a missão de conduzir o governo até a próxima disputa presidencial.
De toda forma, a crônica instabilidade política peruana, em parte proporcionada pelo moralismo lavajatista que também afetou o Brasil, revela que o país necessita modificar e realizar uma série de reformas institucionais, a fim de evitar futuras rupturas. Com uma recessão esperada de cerca de 14% para 2020, com elevados índices de desemprego – mais de 700 mil peruanos estão desempregados somente na capital Lima -, o Peru enfrenta uma miríade de desafios e necessita equacionar, além de reformas econômicas e sociais, inadiáveis mudanças constitucionais e institucionais.
Publicado dentro de “Conjuntura política sul-americana – Novembro de 2020” em 30.11.2020.