
Edifício da Eletrobras no centro do Rio de Janeiro 20/08/2014 REUTERS/Pilar Olivares
Por Roberto D´Araujo
Por vezes, sem radicalismos, é possível conversar com pessoas que acham que o Brasil tem que privatizar tudo. Argumentos de um lado e de outro, mesmo sem que admitam, é possível perceber que se pode plantar algumas dúvidas no grupo. Exemplos internacionais, fiascos de setores tradicionalmente explorados pela iniciativa privada e crescimento da economia pífio mesmo depois de transferidos várias indústrias e serviços ao capital, são alguns argumentos usados na conversa.
Entretanto, eles cobram a vulnerabilidade das estatais brasileiras quanto à dois grandes problemas: Domínio de partidos políticos na direção das empresas e o que chamamos de “estratégias públicas”.
O artigo vai focar o caso da Eletrobras, mas os temas apontados valem para qualquer empresa pública.
A estatal, provavelmente, terá que viver num ambiente de mercado no futuro. Não esse defeituoso que temos, mas algum outro que evite, de um lado, uma verdadeira festa de lucros e, de outro, a tarifa vice campeã de preços caros, como a Agência Internacional de Energia já mostrou (https://www.iea.org/reports/energy-prices-2020).
Muito embora a Lei Nº 13.303/2016, tenha disposto sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, exigindo profissionalismo mínimo para cargos de direção e conselho de administração, percebe-se que temas concretos continuam muito mal definidos. Decisões foram tomadas à revelia da lei da S. A. Vou usar exemplos históricos e concretos da Eletrobras para ilustrar as carências e a vulnerabilidade das empresas.
Imaginem uma legislação, que, sendo adotada, limitaria o que o governo, seu acionista majoritário, possa exigir da empresa e vice versa. Exemplos:
- É proibido ao acionista majoritário propor atividades que não sejam da especialidade e do objetivo da empresa.
Exemplo com a Eletrobras: Seria impossível exigir da Eletrobras a aquisição de distribuidoras como fez o governo FHC, pois o estatuto da empresa mostraria que ela é direcionada à geração e transmissão de energia.
- É proibido exigir que a empresa assuma dívidas fora do mercado financeiro utilizado no setor.
Exemplo com a Eletrobras: Seria impossível exigir que a estatal usasse fundos do setor como fonte de investimento, como foi feito pelo governo FHC com o fundo RGR destinado a cobrir investimentos não amortizados em concessões.
- O acionista majoritário não pode impor políticas que impliquem em significativos prejuízos para a empresa. Se a política pública tem esse viés, ou o tesouro arca com a perda ou a política é abandonada. É proibido impedir que a estatal não participe de mercados disponíveis para empresas concorrentes.
Exemplo com a Eletrobras: Seria impossível o acionista majoritário manter a descontratação da Eletrobras sob um cenário de queda de demanda no período pós racionamento, pois o impacto negativo era evidente e mensurável. Seria impossível também proibir a atuação da Eletrobras no mercado livre, como foi exigido no governo Lula, já que outras empresas privadas atuaram.
- O acionista majoritário está impedido de determinar políticas de pessoal específicas. Essa decisão compete exclusivamente ao presidente da empresa e seu corpo gerencial.
Exemplo com a Eletrobras: Seria inviável exigir terceirização de mão de obra em atividades fins. Também seria impossível obstaculizar qualquer decisão de contratação de pessoal terceirizado para o quadro próprio. O governo FHC implantou a terceirização e o governo Lula impediu a redução de quadros atividade fim terceirizados.
- O acionista majoritário não pode impor parcerias com empresas estatais que não sejam aprovadas pelo conselho da empresa baseadas em profundas análises e justificativas técnicas.
Exemplo com a Eletrobras: O governo Dilma, ao perceber que o setor privado não investia o suficiente para manter a oferta equilibrada, obrigou a Eletrobras a entrar em parcerias de forma minoritária sem que o custo administrativo da estatal, já consolidado, fosse compartilhado como custo dos projetos. A proporção de participação nos empreendimentos seria uma decisão exclusiva de negociação entre os parceiros e não uma estratégia definida pelo governo.
- Qualquer proposta de política pública que o acionista majoritário propuser à empresa, tem que ser detalhadamente justificada. Qualquer dúvida existente sobre o impacto financeiro da medida, interrompe a proposta. Uma extensão do item 3.
Exemplo com a Eletrobras: O governo Dilma, objetivando uma redução drástica na tarifa de energia, propôs a antecipação do fim da concessão de usinas e linhas em troca de redução da receita desses ativos. Impôs uma metodologia repleta de equívocos que não se baseava na contabilização da empresa e que desconsiderou custos administrativos na formação do “preço justo”. Com essa medida, a MP 579 jamais seria implantada.
- É vedado ao acionista majoritário a interferência na política de pessoal da empresa.
Exemplo com a Eletrobras: O atual presidente da empresa, mesmo sem a aprovação da privatização da estatal, vem promovendo uma redução do quadro profissional da empresa e suas subsidiárias preparando a venda de ativos com um mínimo de estrutura administrativa. Os índices de empregados por MW instalado da Eletrobras já estavam entre os mais baixos entre os de empresas similares. Mesmo assim, o objetivo é atingir a metade do menor índice de empresas internacionais o que revela o objetivo de venda de ativos.
Quanto ao combate à corrupção política, há temas bastante complicados que deveríamos enfrentar:
- Redução de burocracia e controle da direção da empresa. Ao invés de monitoramento burocrático e ineficiente, uma legislação diferenciada para crimes em empresas públicas. É preciso diferenciar desonestidades em empresas que pertencem ao estado brasileiro de outras que ocorrem fora do estado. Esses crimes têm consequências difusas que as leis atuais não preveem.
- Dirigentes deveriam ser escolhidos pela sua expertise e teriam mandato fixo. Em caso de saída do cargo, quarentena de um ano, sendo que sua atividade financeira seria monitorada pelos órgãos da justiça. Nas agências americanas é assim que se faz.
Como se tenta mostrar, a questão não se resume a privatização ou não das estatais. Um cenário mercantil mimetizado foi adotado no Brasil que cria um ambiente muito distinto do que originaram as estatais. É difícil admitir, mas, apesar das aparentes dissidências políticas dos governos nos últimos 25 anos, a Eletrobras, usada como exemplo, está praticamente destruída.
Portanto, não basta a bandeira da não privatização, mas sim de um projeto de reconstrução.
Publicado em Revolução Industrial Brasileira em 01.12.2020.