A superintendência geral do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) instaurou nesta quarta-feira inquérito administrativo para apurar supostos indícios de condutas anticompetitivas por parte do Grupo Globo de Comunicações em contratos firmados com agências de publicidade e adotou medida preventiva contra o grupo para impedir prejuízos à concorrência.
O alvo do Cade são os “planos de incentivo”, pelo qual a Globo fornece bonificação por volume para as agências de publicidade que mais comprarem anúncios nos veículos de comunicação da Globo. Ou seja, por essa prática torna-se vantajoso para uma agência comprar muitos anúncios na Globo do que comprar de diversos veículos.
Por seu peso econômico, como um dos maiores grupos empresariais do país, a Globo mantém há décadas esse tipo de política para centralizar as receitas publicitárias das emissoras e estrangular financeiramente as concorrentes.
Trata-se de mais um capítulo da disputa entre Bolsonaro e a Globo, desde a edição da Medida Provisória que permitiu aos clubes de futebol vender a transmissão dos jogos a qualquer veículo, acabando com os contratos de exclusividade que a Globo tinha com os clubes para transmitir jogos dos campeonatos regionais e do Brasileiro. A MP caducou por ação do Presidente da Câmara Rodrigo Maia, que não a colocou em votação. Contudo, a MP permitiu que o Flamengo vendesse direito de transmissão de jogos de forma avulsa no Campeonato Carioca de 2020 – o que fez com que a Globo parar de transmitir as partidas que tinha comprado.
Aproveitando da popularidade do Flamengo, que no final de 2019, ganhou o Brasileiro e a Libertadores, Bolsonaro editou essa MP com a apoio do presidente do Flamengo, Ronaldo Landim, e de outros grandes clubes do país.
Jamais nenhum presidente, desde o fim do Regime Militar, tomou uma atitude tão ousada diante da Globo. Maílson da Nóbrega afirmou uma vez que só foi oficializado na cadeira de Ministro da Fazenda do Governo José Sarney, em final de 1987, após uma reunião privada com Roberto Marinho.
Fernando Collor foi eleito em 1989, com apoio da emissora, e sofreu processo de impeachment três anos depois, com o mesmo apoio da Globo. Collor, quando presidente, procurou apoiar financeiramente o Grupo OM, do Paraná, que logo sofreu boicote direto da Globo, com a anuência de redes menores, como o SBT e Bandeirantes.
Lula viveu uma relação ambígua com a Globo. Em 2004, um ano após a morte de Roberto Marinho, permitiu um empréstimo de vulto para a Globo pelo BNDES, quando o grupo amargava um prejuízo no serviço da NET – que foi vendida para o mesmo grupo que hoje controla a Claro, propriedade do bilionário mexicano Carlos Slim. No ano seguinte, estourou o Escândalo do Mensalão, que ganhou amplo espaço na mídia, que acabou por vitimar o então Ministro da Casa Civil, José Dirceu, que achava que tinha a Globo no bolso.
Na época, o jornalista Paulo Henrique Amorim cunhou o termo PIG para se referir à Globo e outros veículos (Partido da Imprensa Golpista). O Governo Lula, apesar do ataque midiático, nada fez do que apoiar uma rede de blogs, que somente atacavam a Globo e a “imprensa golpista”.
Já no Governo Dilma, a Globo trabalhou em sintonia com Sergio Moro e a força-tarefa da Lava Jato. Nas prisões e apreensões, a Globo sempre estava presente em primeira mão para pegar os flagras. O áudio vazado por Moro da conversa entre Dilma e Lula foi preponderante para o impedimento de Dilma e derrocada do PT, apesar das queixas de intelectuais petistas como Jessé de Souza, de que a Globo seria responsável pelo “golpe” e pela ascensão de Bolsonaro à presidência.
Hoje, o PT e a Esquerda em geral entregaram o front de ataque a emissora para Bolsonaro e sua rede de seguidores. Enquanto o PT cunhou o termo “PIG” para atacar a Globo, o bolsonarismo popularizou o termo “Globo Lixo!”, que vem pegando de maneira mais fácil na boca do povão.
A Globo reinou desde a década de 1980 até bem recentemente, como o maior formador de opinião pública (ou opinião publicada e transmitida) do país, mas hoje se encontra ameaçada pelas redes sociais e os gigantes do Big Tech que entram no Brasil pela integração digital. Ao mesmo tempo, a Globo foi mais eficaz em mobilizar a opinião contra o PT do que a Bolsonaro, até mesmo porque este encampa agenda do Liberalismo Econômico, com política de privatizações, que a Globo historicamente defendeu.
Além disso, Bolsonaro parece saber das dificuldades da Globo e demonstra menos vontade de agradar à mídia em geral do que qualquer outro governo desde 1985. Se foram os governos militares, principalmente Castello Branco (1964-1967) e Costa e Silva (1967-1969), que permitiram a Globo se estruturar como grande império das comunicações, parece que vai ser um governo assumidamente de Direita aquele que pode vir a enfraquece-la de vez.
É isso aí