No Brasil, 4,8 milhões de crianças de 0 a 11 anos de idade enfrentam o lado mais severo da pobreza. Uma população semelhante à de países, como a Costa Rica, Irlanda ou Nova Zelândia, tem como os seus maiores obstáculos: baixa escolaridade, falta de saneamento básico, ausência de abastecimento de água e dificuldades dos pais ou responsáveis para conseguirem uma vaga no mercado formal de trabalho. Esse cenário de instabilidade, que pode ser chamado de pobreza multidimensional, é a realidade de uma em cada seis crianças no país. As regiões Norte e Nordeste são as mais afetadas. As informações fazem parte de um estudo do Núcleo de Inteligência Social (NIS), uma parceria entre a agência de desenvolvimento infantil ChildFund Brasil e a PUC Minas, divulgado no mês passado.
O trabalho em conjunto foi o responsável pela criação do primeiro indicador do Brasil para mensurar o Índice de Pobreza Multidimensional (IPM) englobando crianças de 0 a 11 anos. Em 2019, o estudo foi realizado pela primeira vez, apenas para os estados do Maranhão, Paraíba e Piauí. Em 2020, a mesma metodologia foi aplicada para o restante do país e foram analisadas as grandes regiões, unidades da federação e municípios. O objetivo é mostrar as diferentes realidades de vivência da pobreza entre os brasileiros, além de ampliar o alcance do índice a locais de possível promoção de políticas e projetos sociais que tenham como público-alvo as populações pobres e vulneráveis.
“Esse trabalho nos ajuda a sabermos onde a pobreza extrema está e nos permite monitorá-la, além de estudar os impactos nas respectivas famílias e nas crianças”, explica Gerson Pacheco, diretor de país do ChildFund Brasil. “A partir deste cenário, podemos elaborar e executar ações para melhorar a vida dessas pessoas, e isso é uma responsabilidade do poder público, da iniciativa privada e da sociedade”, completa.
“A pandemia trouxe ainda mais prejuízos às crianças, aumentou o abismo social em que elas vivem. Nesse ponto, o índice de pobreza multidimensional é um instrumento para direcionamento de políticas públicas e recursos para sanar estes problemas”, afirma Cristiano Moura, coordenador de Impacto Social no ChildFund Brasil e membro do NIS/PUC Minas.
O IPM-NIS foi realizado com dados da amostra do Censo Demográfico de 2010 do IBGE e tem como unidade de análise os domicílios de todo o Brasil. O método consiste em, inicialmente, identificar, para cada domicílio, a existência de privações em uma lista de quatro dimensões e 13 indicadores. Na dimensão educação são considerados os indicadores de frequência escolar, distorção idade-série e escolaridade. A dimensão saúde é composta pelo indicador de mortalidade infantil. Na dimensão trabalho são considerados os indicadores de trabalho infantil, desocupação e trabalho informal. Por fim, a dimensão padrão de vida é composta por material do domicílio, água potável, saneamento, tratamento do lixo, densidade morador-dormitório e consumo. A escolha das dimensões e dos indicadores também levou em conta a compatibilização com dados que poderão ser extraídos do próximo Censo Demográfico, que seria realizado em 2020. Esta opção metodológica permitirá, além das análises espaciais, estudos sobre a evolução da situação da pobreza/vulnerabilidade no Brasil ao longo do tempo.
Para cada indicador foi estabelecido um corte, que define se o domicílio é privado ou não, e um peso que é atribuído em caso de existência da privação. Por exemplo, o domicílio recebe uma pontuação de 8,33% se nenhum morador com 18 anos ou mais completou, pelo menos, o ensino fundamental, 4,17% se não há abastecimento de água via rede geral de distribuição, e assim por diante. A soma dos pesos nos 13 indicadores pode chegar a 100%, o que corresponde à condição de um domicílio privado em todos os indicadores. O domicílio sem qualquer privação recebe a pontuação zerada.
Tendo em vista a ideia de privações simultâneas no conceito de pobreza adotado, um domicílio foi considerado pobre se obteve uma pontuação de, pelo menos, 33,33%. Após a identificação dos domicílios nesta pontuação, é calculada a incidência de pobreza, que é a proporção de domicílios pobres multidimensionais em relação ao total.
O IPM-NIS está alinhado com o debate internacional sobre a mensuração da pobreza multidimensional, seguindo as recomendações da Organização das Nações Unidas (ONU) para o monitoramento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Um importante resultado foi a identificação de que tanto a intensidade, quanto a incidência da pobreza multidimensional, são maiores em domicílios que contam com a presença de crianças. Essa desigualdade é mais acentuada nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, que concentram juntas mais de 65% dos domicílios em pobreza multidimensional.
Com informações Monitor Digital