Por Andrew Korybko.
O governo terminal de Trump acaba de colocar as empresas chinesas de aviação e telefonia Comac e Xiaomi em uma lista negra, o que obriga os investidores estadunidenses a se desfazerem delas até 11 de novembro. Algumas outras empresas também foram incluídas neste decreto, todas as quais Washington acusa de manter ligações secretas com os militares chineses.
O objetivo oficial desta política é defender os interesses de segurança dos EUA, enquanto o objetivo não assumido é interferir no mercado internacional para dar uma vantagem aos concorrentes estadunidenses. Menos discutida, porém, é a intenção de manipular a política externa do presidente eleito Biden em relação à China.
O presidente Trump espera que praticamente todo o seu legado político seja revertido pelo novo governo Biden, devido ao fato de que os democratas controlarão as casas do Congresso e a presidência.
A maioria dos eleitores americanos preocupa-se principalmente com os assuntos internos; portanto, isso permitirá que o partido governante que está entrando avance os interesses de sua base ao mesmo tempo que desmoraliza os republicanos. A equipe de Biden também tem planos ambiciosos de fazer retornar o máximo ao status-quo pré-Trump o quanto for realisticamente possível. O que ficou difícil de realizar, especialmente depois do que o titular acabou de fazer.
Em princípio, não há nada que impeça Biden de reverter os decretos de Trump, removendo essas empresas e outras da lista negra que o governo de seu antecessor criou. Na realidade, entretanto, há um risco considerável para sua reputação se ele fizer isso, já que Trump falsamente alegou que essa lista foi compilada segundo interesses de “segurança nacional” dos EUA.
A ótica de um novo presidente agindo rapidamente para remover essas empresas da lista negra poderia alimentar teorias de conspiração da extrema direita que foram anteriormente ventiladas por Trump e seus representantes na mídia, alegando que Biden está em dívida com a China devido aos antigos laços comerciais de seu filho Hunter Biden por lá.
Este é um movimento ainda mais difícil para Biden realizar porque ele mesmo considera a China como um chamado “competidor estratégico”; então, naturalmente surgiria a questão de por que ele está priorizando a remoção de suas empresas da lista negra da “segurança nacional”.
Trump, sendo o gerente perceptivo magistral (mas nem sempre bem-sucedido) em seu histórico de potagonista de reality shows, está perfeitamente ciente dessas pressões e, portanto, percebeu que poderia facilmente enquadrar Biden a continuar sua política externa anti-chinesa.
Biden prometeu anteriormente revisar a política externa que está herdando junto com seus aliados, antes de decidir sobre quaisquer correções de curso significativas. O que significa que ele manterá a maioria das políticas em vigor até que a consulta seja concluída.
Se Trump não tivesse colocado essas empresas em sua infame lista negra no último minuto, é provável que os estadunidenses não precisassem se desfazer delas no início de novembro. Em vez disso, ele preferiu lançar Biden em um dilema pelo qual ele terá que decidir se é corajoso o suficiente para fazer a coisa certa ao reverter o decreto ou se submeter-se-á à política de Trump.
Se ele escolher a primeira opção, provavelmente sofrerá intensa pressão de seu próprio governo por supostamente “abrandar” diante do principal “concorrente estratégico”, embora o efeito final possa ser o início de uma distensão abrangente com a China.
Se ele optar por manter a política de Trump,não alimentará teorias da conspiração de extrema direita, mas às custas de melhorar a relação com a China. Quanto mais tempo Biden esperar para reverter essa política, porém, menos provável é que ele o faça, já que a pressão sobre ele pode se tornar insuportável.
Para observadores externos, esses cálculos políticos podem parecer ridículos, já que está claro que Biden deve fazer a coisa certa em busca dos interesses nacionais dos Estados Unidos, que inquestionavelmente dependem de restaurar suas relações anteriormente excelentes com a China.
Seja como for, o sistema americano é tão disfuncional que as decisões de política externa costumam ser desproporcionalmente influenciadas por fatores políticos domésticos. Além disso, o presidente tem muito poder para moldar unilateralmente a política externa, da qual Trump provavelmente abusou por razões mesquinhas relacionadas a cuspir em Biden.
Até que essas questões sejam tratadas, a política americana em relação à China permanecerá contraproducente.
Publicado em CGTN.com em 16.01.2021.