Por Thierry Meyssan.
A Administração Biden concretizou as suas primeiras medidas de Relações Internacionais.
Primeiro, o Secretário de Estado, Antony Blinken, participa por videoconferência em inúmeras reuniões internacionais, assegurando sempre aos seus interlocutores que “a América está de volta”. Efetivamente, os Estados Unidos retomam posições em todas as organizações intergovernamentais, a começar pelas Nações Unidas.
As Nações Unidas
Logo após a sua tomada de posse, o Presidente Biden anulou a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris e a da Organização Mundial da Saúde. Pouco depois, Anthony Blinken anunciava que o seu país aderia ao Conselho de Direitos Humanos e concorria à sua presidência. Mais ainda, ele faz campanha para que apenas os Estados respeitadores desses direitos, em sua visão, pudessem ter assento neste Conselho.
Estas decisões sugerem várias reflexões :
Acordos de Paris
A retirada dos Estados Unidos dos Acordos de Paris baseara-se no fato de que os trabalhos do IPCC (GIEC) nada tinham de científicos, já que se trata na realidade de uma assembleia de altos funcionários que dispõe de conselheiros científicos. Eles apresentaram, é certo, muitas promessas, mas, na realidade, ofereceram um único resultado concreto: a adoção de um direito internacional a poluir gerido pela Bolsa de Valores de Chicago. Ora, esta Bolsa de Valores foi criada pelo Vice-Presidente Al Gore e os seus estatutos foram elaborados pelo Presidente Barack Obama (2009-2017). A Administração Trump nunca contestou as evoluções do clima, mas argumentou que outras explicações eram possíveis, para além das emissões industriais de gases com efeito estufa, citando, por exemplo, a teoria geofísica formulada no século XIX por Milutin Milanković.
O regresso dos Estados Unidos aos Acordos de Paris semeou o pânico entre os trabalhadores e empresas de gás e petróleo de xisto nos EUA. A Administração Biden está firmemente decidida a interditar rapidamente os veículos movidos a gasolina, por exemplo. Esta decisão não terá impacto somente sobre o emprego nos EUA, mas também sobre a sua política externa, uma vez que se tinham se tornado, graças à exploração do xisto betuminoso, em o primeiro exportador mundial de petróleo.
OMS
A retirada dos EUA da OMS fora motivada pelo papel de primeiro plano que a China aí joga. O Diretor-Geral atual, o Dr. Tedros Adhanom Ghebreyesus, é um membro da Frente de Libertação do Povo do Tigré (pró-chinesa). Aliás, ele jogou paralelamente à sua função “onusiana” um papel central no aprovisionamento de armas para a rebelião do Tigré.
A delegação da OMS em Wuhan para investigar uma possível origem chinesa da Covid-19 contava com o único membro dos EUA o Dr. Peter Daszak, presidente da ONG EcoHealth Alliance. Ora, esse perito financiou trabalhos sobre coronavírus e morcegos no laboratório P4 em Wuhan. Portanto, ele é, claramente, juiz e parte na questão.
Conselho de Direitos do Homem
A retirada dos EUA do Conselho de Direitos Humanos fora a consequência da denúncia pela Administração Trump da sua hipocrisia. De fato, o Conselho havia sido usado, em 2011, pelos EUA, eles próprios, para ouvir falsas testemunhas e acusar o “regime de Kaddafi” de ter bombardeado um quarteirão do Leste de Trípoli; evento que jamais se verificou. Esta memorável encenação fora transmitida ao Conselho de Segurança, que adotou uma Resolução autorizando os Ocidentais a “proteger” a população líbia do seu infame ditador. Dado o sucesso desta operação de propaganda, diversos Estados e pretensas ONGs tentaram instrumentalizar o Conselho por sua vez, nomeadamente contra Israel.
As Nações Unidas não entendem a expressão “Direitos Humanos” como os Estados Unidos. Para estes, os Direitos Humanos são simplesmente uma proteção face à Razão de Estado, o que implica a proibição da tortura. Ao contrário, para as Nações Unidas, esta expressão inclui também o direito à vida, à educação e o direito ao trabalho, etc. Deste ponto de vista, a China tem de fazer grandes progressos em matéria de justiça, mas apresenta um balanço excepcional em matéria de educação. Ora, ela tem pois, com efeito, lugar no Conselho muito embora Washington o conteste.
Antony Blinken acaba de enunciar a «jurisprudência Khashoggi». Trata-se de não conceder mais vistos a dirigentes políticos estrangeiros que não respeitam os Direitos do Homem dos seus oponentes. Mas que valor tem esta doutrina quando os Estados Unidos dispõem de um gigantesco serviço de assassinato dirigido e que eles utilizam por vezes contra os seus próprios cidadãos?
O Irão e o futuro do Próximo-Oriente Alargado
A Administração Biden negocia além disso o regresso ao Acordo Nuclear 5 + 1 com o Irã. Trata-se de retomar as negociações que William Burns, Jake Sullivan e Wendy Sherman haviam iniciado há 9 anos em Omã, com os emissários do Aiatola Ali Khamenei. Ora, hoje eles acabaram de se tornar, respectivamente, Diretor da CIA, Conselheiro de Segurança Nacional e Secretário de Estado Adjunto.
À época, tratava-se para Washington de eliminar o Presidente Mahmoud Ahmadinejad e relançar o confronto xiitas/sunitas, no quadro de uma “guerra sem fim” (Estratégia Rumsfeld/Cebrowski). Para Khamenei, tratava-se de se livrar de Ahmadinejad, o qual tinha ousado virar-lhe as costas, e de estender o seu poder sobre o conjunto dos xiitas da região.
Estas negociações levaram à manipulação da eleição presidencial iraniana de 2013 e à vitória do pró-israelense Xeque Hassan Rouhani. Desde a sua entrada em funções, enviou o seu Ministro das Relações Exteriores, Mohammad Djavad Zarif, negociar, na Suíça, com o Secretário de Estado John Kerry, e o seu assessor Robert Malley. Desta vez, tratava-se de fechar, perante testemunhas, o dossiê do nuclear militar iraniano, que todos sabiam que estava acabado fazia tempo. Depois, seguiu-se um ano de negociações bilaterais secretas sobre o papel regional do Irã, chamado a retomar a função de gendarme do Oriente Médio que tinha sob o Xá Reza Pahlevi. Finalmente, o acordo nuclear foi assinado com grande pompa.
Mas em janeiro de 2017, os norte-americanos elegiam Donald Trump que punha em xeque este acordo. O Presidente Rohani publicou então o seu projeto para os Estados xiitas e aliados (Líbano, Síria, Iraque e Azerbaijão) : federalizá-los num grande império sob a autoridade do Guia da Revolução, o Aiatolá Ali Khamenei. É portanto sobre esta nova base que a Administração Biden tem agora que negociar.
Ora, os Estados Unidos não podem posicionar-se quanto ao Oriente Médio Alargado senão depois de ter decidido o que vão fazer face aos seus dois rivais: a Rússia e a China. O Departamento da Defesa designou uma Comissão que se debruça sobre o assunto e irá dar parte das suas recomendações em junho. Daqui até lá, o Pentágono pretende continuar aquilo que faz desde há 20 anos: a “guerra sem fim”. Sendo o objetivo desta destruir toda a possibilidade de resistência na região e portanto destruir todas as estruturas de Estado, sejam elas amigas ou inimigas, a priori está fora de questão aceitar o projecto Rohani.
Washington começou os contatos em Novembro, quer dizer, três meses antes da entrada em funções do Presidente Biden. Fora exatamente o que a Administração Trump fizera com a Rússia, o que lhe valeu processos judiciais a título de invocação da Lei Logan. Desta vez já é “diferente”. Não haverá processos um vez que a Admi-nistração Biden é unanimemente apoiada por tudo o que conta em Washington.
Além disso, as negociações Irã-EUA evoluem à oriental. Teerã e Washington conservam reféns para ter um meio de pressão um sobre o outro. Cada um interpela espiões ou, à falta deles, simples turistas, e aprisiona-os durante o tempo de uma investigação que se prolonga sem fim. É forçoso constatar que são melhor tratados no Ocidente do que no Irã, onde são submetidos a uma pressão psicológica constante.
Para começar, Washington manteve as suas sanções contra o Irã, mas levantou as que havia tomado contra os Huthis no Iêmen. Também fechou os olhos ao canal sul-coreano que permite ao Irã contornar o seu embargo. Mas, isso não foi o bastante.
De 15 a 22 de Fevereiro, o Irã lançou —via seus filiados iraquianos— ações de comando contra as forças e empresas dos EUA no Iraque; uma maneira de mostrar que tem mais legitimidade nesse país do que o Tio Sam. Os israelitas, esses, acusaram o Irã de ter provocado uma explosão num navio-tanque pertencente a uma das suas empresas, no Golfo de Omã, em 25 de Fevereiro.
Ao que o Secretário de Estado respondeu mandando o Pentágono bombardear instalações utilizadas por milícias xiitas na Síria; uma maneira de mostrar que os Estados Unidos ocupam ilegalmente esse país cujas autoridades amargam a ajuda sectária iraniana— atualmente o Irã não leva socorro aos sírios, mas apenas aos que dentre eles são xiitas— ajuda, à qual os sírios terão que se acomodar.
A China
A posição dominante dos Estados Unidos é ameaçada pela China pelo desenvolvimento desta . Apesar de todo o seu cinismo, Washington não tem coragem de brincar ao colonialismo de estilo britânico e reenviar os chineses para a miséria.
Logicamente, deverá estabelecer regras concorrenciais entre si e “a fábrica do mundo”, apesar de a classe dirigente atual tirar, a título pessoal, um proveito imenso destas trocas desiguais entre China e EUA. Não criou o Secretário de Estado Antony Blinken, ele mesmo, a consultora WestExec para promover as transnacionais dos EUA junto do Partido Comunista Chinês?
Na verdade, apenas resta uma opção: deixar afundar o mais lentamente possível a economia dos EUA e conter o poderio militar e político chinês numa área de influência delimitada.
Foi por isso que, quando da sua primeira conversa telefônica com o Presidente Xi, o Presidente Biden lhe assegurou que não punha em causa a pertença do Tibete, de Hong Kong e mesmo de Taiwan à República Popular da China. Ele deu a entender, no entanto, que ainda contestava a retomada chinesa da sua soberania, conquistada anteriormente à colonização europeia, em todo o Mar da China. Portanto, irão continuar a ameaçar a China nas Ilhas Spartly e outras menores
Pequim não se importa: continua sacar o seu povo do subdesenvolvimento, agora cada vez mais para o interior do território. No futuro, o tigre sacará as suas garras para fora, mas nessa altura já se terá espalhado ao longo das novas Rota da Seda. Aí então ninguém será capaz de lhe fazer frente.
A Rússia
Os russos são um caso à parte. Este povo é capaz de suportar as piores privações e conserva uma consciência coletiva que o faz renascer sempre. A sua mentalidade é incompatível com a das elites anglo-saxônicas; sempre capazes de atrocidades para manter o nível de vida. São duas concepções opostas de honra: uma baseada no orgulho pelo que se fez, a outra na glória da vitória.
Mesmo trinta anos após a dissolução da União Soviética e da conversão da Rússia ao capitalismo, esta continua a ser para as elites anglo-saxônicas um inimigo ontológico; prova que a diferença de sistemas econômicos não passavam de um pretexto para o seu confronto.
Também, digam o que disserem, os oficiais do Pentágono só encaram a guerra com a China num futuro distante, mas estão prontos, desde já, a baterem-se contra a Rússia. O primeiro bombardeio do mandato Biden foi na Síria, como explicamos mais acima. Em virtude dos seus acordos informais, o Estado-Maior dos EUA preveniu antecipadamente o seu homólogo russo. Mas apenas o fez cinco minutos antes dos disparos para garantir que Moscou não teria tempo de alertar Damasco. Acima de tudo, não tomaram nenhuma medida para garantir que não iriam ferir, ou mesmo matar, soldados russos.
Os Estados Unidos não conseguem aceitar o regresso da Rússia ao Oriente-Médio ; um retorno que paralisa parcialmente a “guerra sem fim”.