A determinação do presidente Jair Bolsonaro para investigar se há algum interesse em refinar menos petróleo e importar mais derivados sacudiu o mercado. O governo federal resolveu colocar o dedo na ferida de vez, em busca de uma solução definitiva para um problema que há anos traz dor de cabeça para o brasileiro: os reajustes nos preços dos combustíveis. Por isso, o Petronotícias conversa hoje (5) com o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, com o presidente da Associação de Engenheiros da Petrobrás (AEPET), Felipe Coutinho, e também com o presidente executivo da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), Sérgio Araújo.
Cada um traz uma perspectiva diferente da atual situação do mercado de refino do país e aponta para as causas que colocam o Brasil na condição de importador de derivados, mesmo tendo um grande parque de refino e uma crescente produção de petróleo. Albuquerque lembra que o país ainda hoje paga o preço da corrupção em gestões passadas e da falta de políticas públicas para o setor de midstream. Por isso, o Brasil – que poderia já ser autossuficiente – ainda depende de importações. Já Coutinho sustentou que a Petrobrás deveria voltar a ser a grande fornecedora de combustíveis no país e que a venda das refinarias vai piorar ainda mais a situação dos preços desses produtos no mercado nacional. Ele declara também que o Brasil tem todas as condições de processar petróleo para atender à demanda interna. Por fim, Araújo comentou sobre o desejo do presidente Bolsonaro de investigar os motivos que levaram a Petrobrás reduzir sua capacidade de refino, além de ter defendido a criação de mecanismos para amenizar os reajustes.
No comando do Ministério de Minas e Energia desde janeiro de 2018, Bento Albuquerque já conhece bem as virtudes e deficiências do setor brasileiro de óleo e gás. Especificamente sobre a questão dos preços de combustíveis, ele declarou recentemente que sua equipe estuda alternativas para tentar suavizar, de alguma forma, os repasses de reajustes. Uma dessas ideias seria a criação de um fundo de recursos, que seria usado para compensar a variação de preços desses produtos. Ao Petronotícias, Albuquerque afirmou que o Brasil ainda vive as consequências de escolhas equivocadas de administrações passadas, o que acabou atrasando o desenvolvimento da capacidade de refino do país.
“Os governos passados (2003 a 2016) causaram prejuízos aos brasileiros da ordem de R$ 230 bilhões ao iniciar e não concluir a construção de 4 refinarias no País (mais conhecidas Abreu e Lima e Comperj) e de 2 refinarias no exterior, uma nos EUA e outra no Japão. Hoje poderíamos ser autossuficientes se não fosse a roubalheira, a corrupção e a falta de políticas públicas para o setor no passado”, afirmou Albuquerque. “Estamos abrindo o mercado juntamente com outras medidas estruturantes que visam os interesses públicos e do consumidor”, acrescentou.
AEPET: Petrobrás deve retomar papel de protagonista na venda de combustíveis
O presidente da AEPET, Felipe Coutinho, defende que a Petrobrás deveria voltar a ser a grande fornecedora de combustíveis do Brasil para que os preços sejam reduzidos. O engenheiro sustenta que a estatal é capaz ainda de praticar preços inferiores aos de paridade de importação. Ainda assim, de acordo com ele, a empresa seria capaz de manter a alta lucratividade, gerar caixa, administrar sua dívida e fazer novos investimentos.
Diferente do que outros personagens do mercado dizem, Coutinho afirma que as refinarias da Petrobrás são capazes de processar mais de 90% do óleo produzido pela estatal. Essas plantas de refino, segundo ele, também têm condições de abastecer o mercado de diesel e gasolina. Mas, como se sabe, a companhia está se desfazendo de metade de seu parque de refinarias – postura que pode piorar ainda mais a vida do brasileiro na hora de abastecer o carro, segundo o engenheiro.
“Caso o governo brasileiro leve adiante a privatização de oito das 13 refinarias da Petrobrás, que representam 50% da capacidade de refino, vai ficar muito mais difícil, praticamente impossível, mudar essa política de preços. Cada produtor desintegrado vai praticar o preço de paridade de importação mais alto possível, desde que não percam mercado com os importados”, projetou. Para Coutinho, ao invés de vender as refinarias, a Petrobrás deveria voltar ao seu papel de atuar como principal abastecedora do mercado nacional de combustíveis, com preços mais baixos em relação aos da paridade de importação:
“Historicamente, a Petrobrás já mostrou que é capaz de fazer isso. Temos capacidade instalada. Somos superavitários na produção de petróleo. O petróleo [do Brasil] é adequado às nossas refinarias. Tanto é que as nossas refinarias já produziram mais de 91% da carga processada com petróleo brasileiro. Temos capacidade instalada para abastecer o mercado de diesel e gasolina. Então, não há menor necessidade de vincular os preços da economia nacional aos preços de paridade de importação”, avaliou.
Coutinho lembrou ainda que as refinarias do antigo Comperj (hoje Polo Gaslub) e o segundo trem da RNEST (Refinaria Abreu e Lima) estão com mais de 80% das obras concluídas, com os principais equipamentos instalados. Recentemente, a Petrobrás também anunciou os planos para aumentar a produção de diesel S-10 na Refinaria Duque de Caxias (Reduc).
Questionado sobre o argumento usado para justificar a paridade internacional – de que essa política é necessária para garantir a competitividade -, o presidente da AEPET fez a seguinte contestação: “O mercado brasileiro é aberto e competitivo. O que não se pode é obrigar a Petrobrás a praticar preços altos para viabilizar a importação. Que competição é essa que a Petrobrás é cobrada para praticar preços relativamente altos para viabilizar o negócio do importador? A competição é benéfica quando gera a redução do preço. Nesse caso, a situação se inverteu”.
A visão dos importadores sobre a investigação determinada por Bolsonaro e o silêncio dos distribuidores
O presidente da Abicom, Sérgio Araújo, falou em nome das importadoras de derivados instaladas no Brasil. Questionado sobre a investigação determinada por Bolsonaro, o representante da associação afirmou que é normal a Petrobrás trabalhar com uma taxa de utilização abaixo dos 80%. Segundo Araújo, por mais que isso cause estranheza em um primeiro momento, esse percentual depende de uma decisão interna da própria estatal.
“A Petrobrás tem técnicos de elevadíssimo nível e domínio das tecnologias de refino. Se a Petrobrás decidiu, em algum momento, trabalhar com taxa de utilização na faixa de 75%/80%, acredito mesmo que foi a melhor decisão para a empresa. E não que ela tenha uma intenção de não fornecer 100% e facilitar as importações. Faz sentido para quem não está no mercado ter essa preocupação”, declarou. “O presidente [Bolsonaro] tem o direito de investigar, porque pode aparentar que isso seja uma irregularidade. Mas tenho certeza que a Petrobrás vai responder, com muita facilidade, comprovando que tem buscado operar nos pontos ótimos de refino”, completou.
Araújo falou também que a Petrobrás, ao longo dos últimos meses, fez importações, tirando mercado dos importadores. “No final do ano passado, 26% do volume de diesel importado foi feito pela Petrobrás. Ou seja, não só vendeu produtos de suas refinarias como trouxe produto em navios e vendeu nos portos”, explicou.
O presidente da Abicom diz que a importação de combustíveis é importante para atender parte da demanda brasileira. Hoje, segundo o executivo, 25% da demanda de diesel é atendida por importações. No caso da gasolina, esse percentual é de 15%. Araújo também defendeu a ideia que tem sido estudada dentro do governo federal de criar um mecanismo para suavizar os repasses aos consumidores.
“Hoje, temos um excedente de produção de petróleo e uma receita fantástica com royalties. Na nossa visão, parte desta receita excedente poderia ser utilizada para amortizar essas variações bruscas no preço, principalmente no óleo diesel para o transporte de carga dos caminhoneiros”, concluiu.
O Petronotícias também entrou em contato com a Associação Brasileira de Downstream (ABP), que reúne as principais distribuidoras de combustíveis do pais, e também com a Associação das Distribuidoras de Combustíveis (BrasilCom). As duas entidades, porém, preferiram o silêncio e não se posicionaram, mesmo diante do aquecido debate sobre o preço de derivados, após as recentes declarações do presidente Bolsonaro sobre o tema.
Publicado em Petronotícias em 05.03.2021.