O risco de colapso do transporte público foi tema de debate do Foro Inteligência na noite de última terça-feira. O presidente da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor), Armando Guerra, um dos palestrantes, afirmou que a pandemia já causou perdas de R$ 12 bilhões de reais para o setor de transporte público. Segundo ele, há um círculo vicioso ocasionado pela crise econômica, agravada pela sanitária em 2020, que gerou mais desemprego e menor demanda pelos modais públicos.
“Em 2014, só no Rio de Janeiro, havia 2,4 milhões de usuários de vale transporte; fechamos 2019 com 1,7 milhão; hoje, temos apenas 1,3 milhão de pessoas com esse benefício”, relatou Guerra, destacando que a crise já se arrasta há alguns anos.
De acordo com levantamento da Fetranspor, só em fevereiro de 2021, houve queda de 41% no número de passageiros frente ao mesmo período do ano passado. Apesar da queda, a oferta caiu apenas 28%.
“No pior período da pandemia, chegamos a perder 32 milhões de passageiros por dia”, relatou Guerra, que destacou também problemas de segurança, avanço de transportes clandestinos e aplicativos de transporte, que reduziram a demanda do setor.
De acordo com Guerra, esse “círculo vicioso” gera o envelhecimento da frota, traz a perda da qualidade do serviço e resulta em falência de empresas. “Na semana passada, houve o fechamento, no Rio de Janeiro, de uma empresa de 57 anos. Foi a 17ª a falir, na cidade, nos últimos anos. É um desastre anunciado”, advertiu.
De forma geral, no mundo, o setor público costuma remunerar o operador pela quilometragem rodada. “Essa condição é muito rara no Brasil. Em cidades como São Paulo e Brasília, o poder concedente subsidia com 5% do orçamento público para que o passageiro possa ter mais qualidade no serviço e preço mais baixo na tarifa. Nas cidades brasileiras em que o passageiro paga 100% dos custos, o desequilíbrio ocorreu em todas”, explicou Guerra. Houve, em função da pandemia, segundo ele, adequações feitas por algumas cidades, como o fornecimento do diesel, que representa 29% do custo, outras cidades aprovaram o subsídio direto. “O diferencial no resultado para empresas e passageiros é que algumas cidades adotaram alternativas depois de terem entendido a gravidade, enquanto houve aquelas que viram o problema como uma lamúria do operador”, disse.
A vice-presidente para a América Latina da União Internacional de Transportes Públicos (UITP), Richele Cabral, afirmou que a mobilidade urbana pós-pandemia traz muitas dúvidas, em especial sobre a demanda futura por transporte público, que caiu drasticamente com a crise sanitária. “A demanda vai voltar? Se voltar, em que patamar? A projeção para a demanda de 2021 será 80% da de 2019; em 2020, não chegamos nem a 60%, quando havíamos previsto 70%”, explica a engenheira. Ela destaca ainda que há outras incertezas que pairam sobre o setor, como os novos padrões de mobilidade que o mundo espera; e como adaptar suas operações e modelos para atender as necessidades do pós-Covid.
A equalização dos custos também é uma preocupação da engenheira, uma vez que a pandemia trouxe mais custos com a limpeza da frota, como gastos extras em função de novas normas higienização e sanitização. “Quem paga esses novos ajustes? Hoje, no modelo brasileiro, esses custos são pagos pela tarifa, pelo passageiro. E não é justo que o passageiro tenha mais esse custo”, avalia Richele, ponderando que o setor, já em crise desde 2015, vive ainda o preconceito de ser uma via de transmissão da doença.
“Tanto em veículos de janelas abertas quanto aqueles de janelas fechadas, desde que bem higienizados e com limpeza de filtros de ar, não há aumento do risco de propagação do vírus. Quem está em um bar e tira a máscara para comer corre mais riscos de se contaminar, de acordo com os estudos que mostraram que nas principais capitais em que enquanto a Covid aumentava, o uso de transporte público caía, mostrando que outros setores da economia eram mais propagadores do vírus.
No Congresso Nacional, o Projeto de Lei Complementar 310/2009 de desoneração do setor está na Câmara dos Deputados, após ter sido debatido no Senado. O novo padrão de mobilidade depois da pandemia, a descentralização urbana, o quantitativo de trabalhadores que permanecerão em home office, a pressão pela redução da poluição dos equipamentos de transporte público e pela mudança de combustíveis, além do processo de substituição da frota por unidades elétricas, formam um desafio de grande proporção, que certamente só terá chance de sucesso com a presença do Estado em seus diversos níveis.
Com informações Monitor Digital