Questionado por um amigo se a visita recente do chefe da CIA ao Brasil tem algo a ver com a disputa entre os poderes promovida pelo governo Bolsonaro, fiz um conjunto de ponderações ampliadas para oferecer uma análise descompromissada com o contexto geral da situação.
Inicialmente, devemos considerar que a vinda do Diretor da CIA, William Burns, em 02 de julho de 2021, pode ser explicada pela operação policial que levou à queda do ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, ocorrida no primeiro semestre. Não se deve perder do horizonte que a guerra pela questão ambiental foi colocada em primeiro plano de interesses militares da OTAN, conforme vem relatando frequentemente o atual Diretor-Geral da organização, Jens Stoltemberg.
Este interstício da queda de parte da equipe de chefia do ministério do meio ambiente foi marcado também pela disputa entre China e EUA prelo controle da entrada no Brasil da internet 5G, e com um fato cuja repercussão foi pouco debatida nos noticiários, qual seja a marcante participação de Bolsonaro e do Itamaraty no Forum de São Petersburgo, no início de junho, quando assinaram o acordo de intercâmbio comercial e tecnológico bilateral Brasil-Rússia, sucedida pela autorização pela Anvisa da importação da vacinas russas Sputnik-V, ocorrida no mesmo mês.
Em termos francos, podemos dizer que graças à CPI da Pandemia – ou “CPI da Pfizer” – a vacina russa ficou para trás em função da falta de autorização de uso proferida no fim de julho. Contudo, as relações com a diplomacia americana continua dissionante.
Muito provavelmente, o Sr. Burns da CIA fez um giro pra recompensar o Senado pelos serviços prestados na CPI, conjuntamente a seus voluntariosos entusiastas na mídia e nas cortes do país, além de perguntar o que o governo desejava em troca do apoio internacional perdido, já que o uso da inteligência para derrubar uma ministro de estado em um país estrangeiro não é, digamos, um sinal amigável.
Vimos na sequência um festival de anúncios de agrados dos yankees aos tupiniquins, como viagem à Lua com a Nasa, operação conjunta da Marinha na Ucrânia, convite pra entrar na OTAN e coisas do gênero. Foram um tipo de anúncio de relações públicas para anunciar um tipo de prêmio pela renovação do prisma da submissão diplomática do Brasil aos EUA, o que pode não representar um desenho real do quadro de desgaste por motivos óbvios desta situação.
Tomemos como exemplo a divulgação por Bolsonaro da prisão e suposta tentativa de suicídio no cárcere de Jeanin Añez, ex-“presidenta de fato” da Bolívia, que agora estar presa e acusada de “genocídio”, contou com apoio diplomático tanto dos EUA, quanto da União Europeia e, claro, da OEA, para fazer o que fez na Bolívia, quando renegociou os contratos de exploração de lítio com empresas da China, EUA e Alemanha, o que abriu as portas de concessão ao retorno do partido Movimento Ao Socialismo (MAS) ao governo boliviano pela via “democrática”. O fato de Añez ter contado com apoio diplomático dos EUA foi ressaltado inclusive analisado por apoiadores do presidente Bolsonaro, que alertam para a possibilidade de que este siga para o mesmo destino caso não reveja com urgência sua orientação de apoio internacional, inclinando-se ainda mais para o corredor euroasiático.
De prático mesmo para o Brasil temos a escalada na disputa por uma definição sobre a quem cabe a tutela da colônia brasilis, se ao Executivo ou ao Judiciário, entre as suas diferente esferas, e um conflito institucional que vem se estendendo para o Senado e a Câmara, que tem adotado posições antagônicas em um conjunto amplo de pautas do Congresso, como a reforma política e a análise da possibilidade de impedimento do mandatário da Presidência da República.
No início de agosto, veio ao Brasil o conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Jack Sullivan e dali em diante vimos uma nova escalada no confronto entre o governo e o judiciário. No teatro político nacional, cada lado construiu o os seus bois de piranha, na esquerda com os ataques à estátua de Borba Gato, com seu mártir “galinha incendiária de luta”, conhecido como “Galo”, e a direita com o já historicamente iconoclasta Roberto Jefferson, o governista que desencadeou o escândalo do mensalão, que passava os dias a ofender ministros do STF e fazia teatro de arminha contra o embaixador chinês.
Assim, a orquestração da ópera bufa entre situação e oposição no país segue mobilizando cada qual a sua fatia da boiada nacional, suas tropas em bolhas algorítmicas nas redes sociais, enquanto as pessoas vão reduzindo as restrições após o trauma coletivo da pandemia, contando mortos, feridos e, sobretudo, empobrecidos e desorientados, com o verdadeiro tsunami que continua varrendo as condições materiais de sobrevivência dos brasileiros médios. A próxima encenação pública está programada para o dia 07 de setembro, dia da Pátria, comemoração da Independência Nacional, no ano de véspera ao seu bicentenário.
Qualquer pessoa razoavelmente atenta aos desdobramentos políticos recentes já deve ter notado a grande orquestração para desacreditar a mobilização pelo bicentenário da Independência em 2022. Para a nossa infelicidade histórica, pode ser que recairemos na condição de colônia material e mental dos americanos do norte, um fantasma que nos persegue em aparições repetidas com certa frequência ao longo do século XX e embaça o horizonte do papel do Brasil no século XXI.
Voltando às intrigas palacianas, todo mundo na Praça dos Três Poderes tem bala na agulha, todos fazem política diplomática multilateral no jogo miúdo e certamente correm informações muito bem guardadas que permitem um equilíbrio entre os atores que circulam nos meios do poder. Ministros do STF foram alçados à condição quase que de sub-imperadores de direito no Brasil com amplo apoio da diplomacia americana, mas com certeza não existem santos por ali e provavelmente há muito trânsito de material comprometedor deles circulando por Brasília e, quem sabe em breve, livremente pela internet.
Com certeza, o mergulho político do Judiciário, fortalecido na última década, forneceu munição aos magistrados em sua luta pelo exercício do poder, havendo nitidamente uma bancada de apoio no Congresso, formada por todos os partidos da esquerda e alguns de centro. Contudo, isso não significa que a disputa esteja definida e que hajam negociações paralelas de parte a parte, o que pode deixar os ministros da Suprema Corte em uma situação frágil. Não custa lembrar que em 2016 o PT pediu impeachment de Gilmar Mendes, ou seja, não é uma novidade o confronto entre mandatários do Executivo com os magistrados das cortes superiores.
Claro que existe influência da CIA nestas articulações, assim como tem da China, da União Europeia, da Rússia, dos nossos vizinhos, como em toda e qualquer relação diplomática multilateral. A equipe de chefia de inteligência e segurança nacional dos EUA teve reuniões de governo na agenda oficial e seguramente uma ampla gama de encontros informais com diferentes segmentos políticos e econômicos. Geralmente quando agências de inteligência vão fazer operações, são prestidigitadores: chamam a atenção para uma mão e fazem o truque com a outra. Assim, é difícil dizer com segurança o que acontece nos bastidores, mas note-se que a crise na diplomacia brasileira com os EUA existe enquanto um pano de fundo mais amplo, no qual enxergamos a coetaneidade da queda do ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles e a aposentadoria do embaixador americano, Todd Chapman. Como foi ação da inteligência que derrubou um ministro de Estado, em operação conjunta entre a Polícia Federal, a Globo e o STF, portanto, eles mandaram o chefe da inteligência pra se explicar e negociar um armistício.
Já vemos os sinais da forma de atuação do novo embaixador, envolvida pela visita do conselheiro Jake Sullivan e com a postura de fazer diplomacia diretamente com os estados e atropelar o governo federal. Temos aí a Ferrogrão como exemplo de sabotagem diplomática, mas não somente isso, pois a negociação diplomática descendo para o nível de execução no âmbito estadual e até municipal fragiliza a própria tradição diplomática brasileira em si e o papel soberano que deve ser exercido pelas vias oficiais, ou seja, pelo Itamaraty. Temos um recrudescimento de uma ingerência americana indevida que pode levar todo o equilíbrio frio de forças entre os poderes da República, conjuntamente do próprio pacto federativo para um esgarçamento que não tem a menor chance de trazer boas consequências ao país. Pode ser que as coisas fiquem quentes, afinal, a panela com água está ao fogo com o sapo dentro e resta-nos saber quem está cozinhando e quem está sendo cozido, se o sapo, que é a própria nação.
Será que as forças políticas tentaram evitar com que o Brasil sirva de custeio em economia primária para a execução do “Plano Biden” nos EUA? Afinal, qualquer análise objetiva da emissão de dólares sem lastro nos EUA, com aumento da dívida americana, deveria nos informar que esta emissão será lastreada em minério, madeira, petróleo, terras agricultáveis, cadeia produtiva de proteína animal, áreas de pesca, água e demais recursos econômicos materiais existentes em nosso país, com pioria significativa na qualidade de vida e bem-estar social dos brasileiros.
Não é novidade para ninguém que no caso de resgate de uma relação harmoniosa e duradoura do Brasil com a China e a Rússia, via BRICS, levará a América do Sul inteira pelo mesmo caminho. A questão que remanesce é: “Bolsonaro tem as condições, a inteligência e a coragem necessários para seguir nesta direção?” O próprio presidente tem acenado de que o risco de continuar aceitando o “apoio muy amigo” dos yankees pode lhe reservar como destino a cadeia e/ou o cadafalso.
Enfim, conhecendo o histórico de intervenções americana para garantir a “democracia” no Oriente Médio, na África, na Íberoamérica, não seria de surpreender que o Departamento de Estado esteja armando os dois lados da guerra. No fundo, seria ingenuidade nem sequer supor esta possibilidade, afinal, é uma estratégia relativamente antiga nos histórico dos EUA e, obviamente, a expressão dividae et impera é artifício que, supostamente, data de Filipe II da Macedônia, que viveu há 2400 anos.
Portanto, a visita do Sr. Burns da CIA e de Sullivan da Segurança Nacional dos EUA pode muito bem ter sido um “se virem entre vocês”. Eles vão financiar a briga e gerenciar as apostas na guerra brasileira entre a toga e a farda, com riscos inclusive de deflagração civil nas ruas marcada para o Dia da Pátria, que deveria marcar a união nacional para celebrarmos a Independência, duramente construída pelos heróis da Pátria junto de cada brasileiro.
Da mesma forma, vem se tornando evidente que os custos em se manter uma ocupação permanente no país são muito altos e arriscados. Nunca se sabe o tamanho da possibilidade das coisas saírem do controle e perderem de vez o rumo, o que traria consequências catastróficas ao Brasil, mas é sempre lucrativa para quem financia o lamentável e grotesco espetáculo da auto-destruição brasileira. Assim, não seria novidade se o resultado da ingerência diplomática dos EUA fosse um balde de gasolina na mão de cada um dos oponentes e a aposta deliberada na briga, enquanto a Nação brasileira segue à deriva. Se não houver a tomada de conta por bons timoneiros, o destino nos reservará um período histórico de terra arrasada.