Por Alberto Monteiro.
Muitos acabam se perguntando por que alguns generais das Forças Armadas brasileiras não aderiram à candidatura à Presidência de Leonel Brizola em 1989, já que ele não só era avesso ao comunismo soviético como possivelmente faria um dos governos mais nacionalistas que se poderia pensar na época. O curioso é que isso implicou no favorecimento à candidatura de Luís Inácio Lula da Silva.
Para entender esse fenômeno do meio castrense nacional, primeiro temos de entender que os generais da década de 1960 são os tenentes da década de 1920 – inclusive o líder do comunismo no Brasil em 1964 é Luiz Carlos Prestes, um tenente da década de 1920. Os tenentes também tinham sua contradição essencial: se de certo modo se voltaram para o Brasil Real contra o Brasil Oficial da República Velha, seu sonho ainda era um modelo estrangeiro, uma democracia liberal e representativa como a vista nos Estados Unidos e na Europa Ocidental.
Tanto intelectuais conservadores, como Alberto Torres e Oliveira Vianna, como os tenentes viam as instituições liberais da República Velha como uma fraude. A diferença é que Torres e Vianna achavam que elas não funcionavam por serem plantas exóticas, inaclimatáveis, enquanto os tenentes acreditavam que, com certas reformas, elas funcionariam tão bem como em seus países de origem. Ou seja, os tenentes eram “idealistas utópicos” à sua maneira, tanto que Prestes trocou com facilidade o estrangeirismo liberal pelo comunista
Na década de 1920, os tenentes viam como o grande inimigo da democracia liberal e representativa as oligarquias da República Velha. E para combatê-las se unem na Revolução de 1930 a Getúlio Vargas, que não pensava como um tenente, mas vinha da tradição castilhista riograndense, portanto, sem nenhum apego à democracia liberal. Góis Monteiro e Eurico Gaspar Dutra, nessa época entusiasmados com o modelo nazifascista, ajudam o Getúlio a dar o golpe do Estado Novo em 1937. A Segunda Guerra Mundial faz com que os “tenentes” se alinhem com os EUA e em 1945, Góis Monteiro, Dutra e Eduardo Gomes depõem Vargas.
A partir de 1945, os “tenentes” passam a ver como o grande inimigo da democracia liberal-representativa no Brasil o populismo ou a “demagogia”, encarnados no seu antigo aliado, o getulismo, que para completar o serviço reuniu o que restava das antigas oligarquias estaduais no PSD, o partido da direita getulista. Inclusive, quando participam de eleições nas décadas de 1940 e 1950, o fazem pela UDN: Eduardo Gomes, sobrevivente dos 18 do Forte de 1922, sai candidato pela sigla em 1945 e 1950, e Juarez Távora, em 1955.
O próprio apoio ao Moro do general Santos Cruz, apesar do seu alegado nacionalismo, ainda é uma herança do idealismo utópico dos tenentes, sonhando com uma democracia liberal à moda americana ou europeia, em contraponto ao espantalhos das oligarquias e do populismo, encarnados em Lula e Bolsonaro.
Os fanáticos anticomunistas nas Forças Armadas eram bem poucos, como Pena Boto, Mourão Filho e os presidentes da chamada linha-dura, como Costa e Silva e Garrastazú Medici. A linha-moderada, de Golbery, de Castello Branco e dos irmãos Geisel, sabia que o comunismo não tinha chances reais de tomar o poder no Brasil; o problema, portanto, era o populismo, a “demagogia”, o getulismo, agora encarnado em Jango e, depois, em Brizola.
O Geisel não era bem anticomunista, mas detestava o getulismo (e o peronismo). Aliás, antes de sua posse, Geisel recusou um convite de Perón para um encontro oficial, e Perón também não compareceu à posse de Geisel. Além do antipopulismo do general brasileiro, havia também, nas relações Brasil-Argentina, o problema da usina de Itaipu, cuja construção enfrentava oposição dos argentinos.
Assim, curiosamente, Geisel dá continuidade aos projetos econômicos do Brasil Potência, iniciados na Revolução de 1930, mas politicamente é inimigo do getulismo e, por consequência, do brizolismo. Isso explica porque o Golbery atacou o brizolismo pela direita, dando a legenda do PTB para a Ivete Vargas, e pela esquerda, ao facilitar a criação do PT.
Historicamente, os militares estiveram ao lado do nacional-desenvolvimentismo, ainda que aliados, em termos políticos, à democracia liberal ocidental, que cada vez mais vemos que não funciona. É difícil enxergar o Brasil forte e soberano acreditando numa falsa democracia liberal americana/europeia, já que é muito fácil ser cooptado por interesses escusos nessa dinâmica.
Por outro lado, vemos que o “americanismo” dos militares encontrou seus limites nos próprios governos Geisel e Figueiredo, quando o Brasil e demais países iberoamericanos foram fortemente afetados pela Crise da Dívida Externa, que explodiu em 1982, mas teve suas origens no final da década de 1970. Assim como no impasse diante da iniciativa brasileira – e argentina – de seguir com um programa nuclear, em uma postura de denúncia do “congelamento do poder mundial”, como diria o diplomata Araújo Castro, que teve destaque tanto no Governo Jango como nos governos militares a partir de Costa e Silva.
Diante dessa encruzilhada, desse dilema, só se pode escolher um caminho: ou do nacional-desenvolvimentismo ou da democracia (neo)liberal tutelada pelo globalismo que emana dos poderes do Ocidente.