Por Alexandre Chivale
Nos dias 17 e 18 de Fevereiro realizou-se mais uma cimeira União Europeia – África, em Bruxelas, com o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, a classificar o evento como um importante momento político, por permitir selar uma renovada relação estratégica. Charles Michel alegou ainda que a cimeira era um momento político importante, pois todas as reuniões têm sido marcos importantes e muitas outras também desempenharam um papel fundamental para ajudar a pensar a parceria entre os blocos continentais e a criar um novo paradigma e que a reunião deve ser um importante passo em frente para selar a renovada relação estratégica entre os dois continentes.
Sempre que se está na antecâmara destas cimeiras, tem sido useiro e vezeiro pensar-se que se está para não fazer o que sempre se fez e, como disse Charles Michel, “partilhamos geografia, linguística, laços humanos, laços interpessoais, laços econômicos e culturais, e temos uma história comum, com êxitos e também com dor. […] Não podemos mudar o passado e, por isso, temos de reconhecer e compreender o que aconteceu e retirar daí as devidas lições para que, juntos, possamos conceber juntos um futuro mais robusto e mais sólido”.
E volvidos dois dias do referido evento, que balanço se pode fazer?
Passou-se a impressão de que as setenta delegações diplomáticas reunidas em Bruxelas durante a cimeira UE-União Africana comprometeram-se a desenvolver uma “visão conjunta” para 2030, baseada no respeito mútuo e na igualdade. Mas tenho fundadas reservas para pensar na seriedade dessa afirmação, pois isso não passa de pura retórica e resultado de boas maneiras diplomáticas.
Se Macky Sall, Presidente do Senegal e Presidente da União Africana, afirmou que o compromisso assumido durante o encontro requer uma “mudança fundamental” na relação entre os dois continentes – pois entende que é necessário um novo estado de espírito nas relações euroafricanas, baseado numa verdadeira visão de parceria, e não apenas uma relação baseada na ajuda – a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen anunciou um plano de investimento para África, ao longo dos próximos sete anos, sendo que o primeiro plano regional no âmbito da grande estratégia de investimento global é o plano África-Europa com mais de 150 mil milhões de euros de investimento.
É visão da União Europeia que os fundos deverão ajudar a financiar a transição ecológica, o emprego e a educação em África, sem, no entanto, estar clara a forma como os fundos serão utilizados, concretamente.
Não custa perceber que, apesar do discurso simpático do presidente senegalês, há uma manifesta diferença de visão do que deve ser a relação União Africana – União Europeia.
Estranhei que o discurso dos líderes de ambos os lados, antes da cimeira, tenha sido no sentido de se mudar o estado de coisas, passando a privilegiar a parceria, mas durante e depois da cimeira voltamos à habitual tendência para o congênito peditório. Por outras palavras, os líderes africanos foram à Bruxelas como que para receber aulas do professor, outrora colonizador e opressor, sobre como respirar.
Parece que como africanos não perdemos o talento de ir perguntar à Europa as fórmulas de como usarmos a água que jorra nas torneiras que estão nos nossos quintais. Aliás, quando nos reunimos como União Africana, embrenhamo-nos num exercício de hipocrisia de condenação dos golpes de Estado, sem que dispensemos sequer um minuto para nos questionarmos sobre as razões por detrás desses golpes, marcadamente influenciados pela pandemia do terceiro mandato, que não passam de uma forma menos barulhenta de perpetrar golpes de Estado, com recurso à psicologia de massas.
Até quando iremos consumir a narrativa sobre África baseada no que vemos ou ouvimos na RFI, BBC, RTP, entre outros? Não é de estranhar que, por exemplo, os nossos intelectuais só sintam como tal, nas suas alocuções, se fizerem citações de provérbios e autores europeus, como se no continente berço não
houvesse. É cada vez mais evidente que estamos embebedados pela visão europeia da nossa própria realidade.
Em boa verdade, parece que ficamos felizes quando um europeu nos vem dizer que somos corruptos e que os projetos que fizemos por e para nós não servem, mas quando os mesmos projetos são importados do Palácio do Eliseu, são celebrados de forma apoteótica.
É caso para dizer que sempre quisermos comer a nossa caracata, varrer o nosso quintal ou melhorar a segurança da nossa palhota, é necessário LIGAR PARA A EUROPA, PARA VER SER DÁ OU NÃO DÁ!