Do GPOShorts
Em um artigo recente, fizemos um apanhado geral da situação no Oriente e no Ocidente, analisando onde as coisas estão e para onde podem ir. Este pequeno artigo analisará, em oito pontos, as perspectivas imediatas para a Europa, à luz da operação especial da Rússia na Ucrânia.
1) Qualquer acontecimento importante causa espasmos em todo o mundo; os eventos atuais na Europa causam estragos em todos os mercados globais. Não surpreende que seja na Europa que as conseqüências da ação do Kremlin sejam mais sentidas e por uma infinidade de razões. Diante da espiral de preços dos combustíveis, de um tsunami de imigrantes e de uma nova Cortina de Ferro, a Europa está no meio das maiores transformações dos últimos 70 anos. Por toda a simpatia que se pode ter à primeira vista, um olhar sobre a história recente nos ajuda a entender como os eventos globais trouxeram a situação até onde ela está hoje.
2) Por mais que o conflito que atualmente varre o que foi há algumas décadas a potência industrial e agrícola do sul da União Soviética seja o resultado de malfeitorias estadunidenses e ucranianas, ele também é em parte culpa da Europa ocidental. Um golpe liderado pelos Estados Unidos e oito anos de guerra foram largamente ignorados tanto pelos governos europeus quanto por seus povos, sendo percebidos como uma “guerra dos outros”, mas isso apenas significou que na maioria da vezes os EUA, Bruxelas e outros centros políticos estavam fechando os olhos para um problema crescente nas suas fronteiras. Que os fatos conhecidos foram ignorados em prol das relações com Washington provaram ter sido de fato um movimento geopolítico muito ruim, mas apesar de todas as evidências, os líderes europeus continuaram não apenas a apoiar cegamente oito anos de uma “falsa paz”, mas a suprimir quaisquer vozes que questionassem o apoio contínuo não apenas a um governo fantoche, mas a tudo o que ele representa.
3) Este artigo não diz respeito ao controle que Washington exerce sobre a política européia, mas o fato de que os europeus permanecem em absoluta sintonia com os EUA para seu absoluto prejuízo não pode ser ignorado. Em 2002, centenas de milhões de europeus sofreram grandes transtornos quando a União Europeia implementou o euro no lugar das moedas nacionais, mas 20 anos mais tarde, ao invés de usar o euro, o bloco europeu ainda realiza comércio em dólares. Não tendo sido ruim o bastante, essa situação ainda permitiu que a Casa Branca e a OTAN ditassem a política externa de qualquer nação que eventualmente irritasse Washington, o que culminou na guerra que está atualmente devastando a Ucrânia. Enquanto nos EUA os impactos da guerra que fazem com que os motoristas estadunidenses reclamem dos preços do gás, na Europa, representam um verdadeiro tsunami, com o preço do combustível subindo tão rápido quanto o número de imigrantes. Sabe-se que muitos dos que conduziram a Europa por esse caminho têm estreita filiação ao “establishment” do continente, mas as questões relativas a onde esse caminho levará estão atualmente sem resposta. Essa falta de respostas, no entanto, leva a uma nova leva de perguntas muito urgentes, perguntas essas que a Europa Ocidental precisa responder o mais cedo possível.
4) Por quase uma década, a Europa Ocidental tem apoiado os EUA em seus esforços para fazer frente aos russos, mas contrastando com a afirmação de John McCain de que a Rússia é meramente um “posto de gasolina de um país”, uma súbita quebra nas relações Ocidente-Oriente está provando ser uma verdadeira dor de cabeça para os ocidentais de muitas maneiras. Estamos todos cientes de como a Federação Russa desempenha um papel tão importante no mercado global de energia, mas sendo um grande exportador agrícola, os preços de uma série de gêneros alimentícios importantes também vão disparar nos próximos meses. Isso em si não é um problema tão sério, porque as nações ocidentais são capazes de adaptar suas próprias indústrias agrícolas para compensar, pelo menos em parte, o déficit. O que é sério, porém, é que a Rússia também é um ator-chave no mercado mundial de fertilizantes. Mesmo que o Ocidente estivesse para reestruturar seu setor agrícola, ele ainda precisa das matérias-primas para fazê-lo e os preços elevados dos fertilizantes agravam consideravelmente uma situação já bem ruim. Apenas para colocar a cereja no bolo, com a escassez global, a Rússia ainda será capaz de vender tudo o que puder produzir, mas a preços muito mais altos. Washington poderá ver a Rússia como o posto de gasolina do mundo, mas será que os líderes europeus conseguirão acalmar a ira de seus consumidores com os preços explodindo e o início de um período de estagflação?
5) Como examinado anteriormente, a situação das matérias-primas está se tornando muito mais aguda de um lado do Atlântico do que do outro, mas, em que pese isso, os cabeças-ocas em Bruxelas querem restringir ainda mais seu comércio com a Rússia. Além de combustível, alimentos e fertilizantes, a Rússia também é um dos principais atores na esfera dos minerais. Ferro, níquel e titânio são mais importantes como matéria-prima para o Ocidente do que como exportações para a Rússia, mas a UE tem se esforçado para tornar cada vez mais difícil o acesso a mercadorias exigidas por suas indústrias nacionais. Embora as economias da Europa sejam diferentes, a fabricação de produtos acabados de qualidade é importante em vários Estados-membros da UE e a escassez de materiais pode acabar levando à morte de muitas empresas. O porquê de Bruxelas querer dar um tiro no próprio pé é uma pergunta sem resposta, mas certamente essa atitude deixa muitas pessoas felizes em Washington.
6) Está fora de qualquer dúvida que as medidas atuais aplicadas contra a Rússia afetam a Europa muito mais profundamente do que os EUA, algo que é há muito reconhecido pelos especialistas em assuntos mundiais. No final da Segunda Guerra Mundial, os EUA foram responsáveis por mais da metade das exportações globais, mas nas últimas oito décadas, tanto a China quanto a Europa corroeram a vantagem anterior de Washington, com o “Cinturão de Aço” estadunidense tendo enferrujado, obrigando o Tio Sam a contar com outros países para suprir muito do que se consome domesticamente. A rivalidade entre Washington e Pequim não está sob escrutínio aqui, mas a situação atual, embora não favoreça Washington, certamente tem um efeito muito adverso sobre a Europa, não sendo esta a primeira vez que os Estados Unidos tentam ganhar a liderança empurrando outros para trás. Para todos os negócios entre Washington e Bruxelas, e entre Oriente e Ocidente, há no entanto um elefante bastante grande na sala que só vai ficar maior como resultado das circunstâncias atuais.
7) Enquanto os ocidentais se queixam da Rússia na Ucrânia, a verdadeira dor econômica ainda está por chegar. Exceto, é claro, na China, onde os contratos de longo prazo entre Moscou e Pequim garantirão que os picos atuais sejam minimizados. Com as relações entre Moscou e Pequim atingindo um pico histórico, o comércio entre os dois vai continuar sem obstáculos. Contratos previamente acordados em relação a toda uma gama de matérias primas ainda estão de pé, mas se a China precisar de mais, certamente serão agraciados. Com o governo chinês pagando os preços acordados por tudo isso, a China agora se vê em uma enorme vantagem em relação ao comércio global, com as economias atreladas ao mercado ocidental vendo seus preços subirem nas alturas. Com essa aliança se fortalecendo ano após ano, a amizade mútua, por sua vez, significa um futuro mutuamente garantido, e no clima atual, a preços que nunca foram tão competitivos. Nunca se esqueça que, embora isso favoreça o Oriente de formas nunca antes vistas, essa situação é absolutamente um produto da política ocidental.
8) A despeito de todos as lamúrias dos ocidentais, tanto o conflito na Ucrânia como suas consequências em todo o mundo foram criados nesse mesmo Ocidente. Uma década tentando tirar o maior país da Europa da jogada em prol dos interesses estadunidense está resultando em uma situação cada vez mais feia para o mundo ocidental. Com todos os fornecimentos de combustível cortados para a Europa, Bruxelas está olhando para o cano de uma arma econômica com seu próprio dedo no gatilho. Caso a situação se deteriore ainda mais, a Rússia pode muito bem fechar o Nord Stream 1, agravando ainda mais uma situação que já é desesperadora. A despeito de toda a amplitude de medidas tomadas contra Moscou, a Rússia provou que tem uma gama igualmente ampla de exportações a oferecer no mercado internacional. O fato de que o jogo de Washington prejudica a Europa tanto quanto a Rússia não passou despercebido por alguns, mas até que os consumidores europeus se deem conta disso, poucas mudanças podem ser esperadas. Entretanto, o sol oriental realmente parece que vai se firmar no céu, com tanto a economia chinesa como a russa se deliciando com as condições impostas por Washington. É bem provável que no futuro a Europa finalmente perceba que foi manipulada para sabotar a si própria.