Por Paul Craig Roberts.
Será Washington ou o Kremlin quem está mais confuso acerca das sanções e do seu impacto?
Washington e a Europa deixaram muito claro que as sanções não se aplicam a pagamentos pela energia e minerais russos. Só os EUA proibiram a importação de gás e
petróleo russos. Como os EUA não utilizam gás russo e apenas 7% do seu petróleo é proveniente da Rússia, a sanção não tem efeito. Não há proibições à importação de minerais russos, uma vez que o Ocidente não pode deles prescindir, tal como a Europa, especialmente a indústria alemã, não pode prescindir da energia russa. Não há sanções sobre bancos o processarem o pagamentos de energia e minerais russos.
Então, o que é que as sanções ocidentais fazem? Elas identificam para a Rússia os pontos de pressão onde as sanções russas sobre o Ocidente podem prejudicar gravemente este mesmo Ocidente. Por que é que a Rússia não utiliza este poder?
Penso que por duas razões totalmente erradas. Uma é que a Rússia quer provar que é um parceiro comercial confiável que cumpre os seus contratos e não usa as relações comerciais como uma arma. Mas de que serve isto à Rússia quando os EUA e a Europa não são parceiros comerciais confiáveis e utilizam o comércio como uma arma? Quando a Rússia é o único parceiro de confiança no negócio, a Rússia é enrolada.
A outra razão errônea é que os economistas e o banco central da Rússia –vítimas de lavagem ao cérebro por parte dos economistas neoliberais dos EUA – acreditam que a Rússia não pode desenvolver-se sem divisas estrangeiras. O Banco Central russo pensa mesmo que não pode criar rublos para financiar projetos de investimento a menos que os rublos sejam apoiados por divisas estrangeiras. Isto levou o banco central a tomar emprestado dinheiro de que não precisa e sobre o qual paga juros. Por outras palavras, a política do banco central russo é disparatada e serve os interesses ocidentais à custa da Rússia.
Os russos poderiam encerrar a indústria ocidental se a Rússia deixasse de exportar energia e minerais, mas tem medo de o fazer por causa da perda de divisas estrangeiras. Em contraste, os EUA não têm nada de que a Rússia precise. Biden apresentou uma proibição das exportações americanas de bens de luxo para a Rússia, o que apenas incomoda alguns oligarcas e as suas amantes.
A Rússia não tem qualquer necessidade de divisas estrangeiras. Ela não precisa de importar energia e minerais. A Rússia está cheia de engenharia e ciência e pode fazer tudo o que precisa. O banco central pode financiar todos os projetos internos. Mas como os americanos conseguiram fazer lavagem ao cérebro aos economistas russos, os russos não podem usar a arma poderosa que têm à mão para pôr o Ocidente de joelhos a implorar por misericórdia. Além disso, os economistas russos não têm perspicácia suficiente para exigir o pagamento em rublos pela sua energia e minerais. Isto reforçaria a sua própria divisa, ao invés das divisas dos seus inimigos. Por que é que o banco central russo renuncia à oportunidade de utilizar as exportações russas para estabilizar a moeda russa?
A conclusão é que no jogo das sanções os russos têm todas as cartas na mão mas não sabem como jogá-las.
Washington e os seus satélites são ainda mais estúpidos. Biden anunciou que o estatuto comercial da Rússia como Nação Mais Favorecida (Most Favored Nation) deverá ser revogado. Isto significa que podem ser aplicadas tarifas discriminatórias às importações de mercadorias russas. A noção é que isto prejudica a Rússia, porque o preço mais elevado causado pelas tarifas irá reduzir as exportações russas. Contudo, os verdadeiros prejudicados são os americanos e os europeus, porque os preços mais elevados causados pelas tarifas aduaneiras recaem sobre eles. Os preços da energia e dos minerais estratégicos sobem. Com os EUA a registrarem uma inflação recorde, as tarifas irão aumentar a inflação.
O idiota mal aconselhado da Casa Branca gaba-se de que o governo dos EUA “vai tornar mais difícil para a Rússia fazer negócios com os Estados Unidos”. Isto também torna mais difícil para os EUA e para os seus estados fantoches fazerem negócios com a Rússia. O Ocidente não tem nada de que a Rússia precise, mas o Ocidente não pode sobreviver sem a energia e os minerais russos. Os americanos há muitos anos que não têm acesso ao espaço e a experiências de gravidade zero sem a ajuda russa para transportá-los à estação espacial.
Washington vai ajudar mais a Rússia ao proibir o investimento ocidental em todos os setores econômicos russos. Por outras palavras, os americanos estupidamente vão fazer pela Rússia o que a Rússia deveria ter feito por si própria há anos atrás.
Os únicos países que precisam de investimento estrangeiro são os pobres, países do terceiro mundo que carecem de uma base científica e de engenharia e que estão sem recursos energéticos e minerais. Os investidores estrangeiros trazem os recursos em falta, mas também retiram os lucros do país, repatriando os ganhos. Neste contexto, o investimento estrangeiro é um dispositivo explorador.
De acordo com Sergey Glazyev, o único economista russo que não sofreu lavagem cerebral por parte do Ocidente, metade dos ativos da indústria russa são propriedade de não-residentes. Se isto for verdade, então uma enorme quantidade de rendimentos provenientes destes ativos russos é exportada para o estrangeiro. Como é que a Rússia se beneficia ao ceder metade dos seus rendimentos a estrangeiros?
A Rússia tem a oportunidade criada pelas sanções de corrigir o seu trágico erro estratégico de permitir que estrangeiros comprem os seus ativos produtivos. A Rússia pode nacionalizar os ativos detidos pelas empresas dos países sancionadores. Os países sancionadores estão a roubar depósitos bancários russos, pelo que a Rússia deveria retaliar, pelo roubo dos seus ativos reais.
Uma pessoa tem de se perguntar porque é que a Rússia não tomou nenhuma destas medidas que provocaria gritos agonizantes do estúpido Ocidente e um fim imediato a todas as sanções e à propaganda russofóbica. A Rússia pode ditar os termos. Porque renuncia ela a este poder?
A razão da impotência autoimposta da Rússia é que uma grande parte da classe intelectual e dominante russa foi alvo de lavagem cerebral pelo Fórum Econômico Mundial e está comprometida com o globalismo. A autossuficiência, que a Rússia pode facilmente alcançar, está associada ao nacionalismo, o qual foi transformado num palavrão. Mesmo um bloco comercial russo/asiático da Rota da Seda é demasiado estreito para o idealista globalista. Aparentemente ainda não se compreendeu no Kremlin que o globalismo é totalmente inconsistente com a soberania nacional que Putin tanto valoriza.
Se a Rússia abdicar do seu poder, pela recusa de jogar a sua mão vencedora, será deitada abaixo pela sua própria estupidez e não por sanções ocidentais.