
Por Felipe Quintas.
No contexto político-eleitoral, um dos principais efeitos do acirramento polarizante é criar um nível tão grande de adesão das bases sociais de um e de outro candidato a eles que elas mesmas se anulam politicamente, uma vez que qualquer cobrança ou reticência passa a ser vista como traição ou possibilidade de traição, deixando as elites não-eleitas (Faria Lima, Judiciário, EUA etc.) sozinhas no tabuleiro de forças para definirem a agenda e o escopo de cada candidatura.
Hoje, Bolsonaro pode impor um lockdown chinês de 2 anos seguidos e Lula pode revogar a CLT e a Lei Áurea que as torcidas de um e de outro continuarão apoiando-os incondicionalmente, com a simples justificativa de que “o outro lado não dá”, como se a negação bastasse para a afirmação, numa completa subversão da lógica que denota o colapso da Razão em meio à tirania da propaganda que virou a democracia. Nem durante a redemocratização, quando o país estava saindo de uma ditadura de fato, e eram plausíveis os temores de revanchismo, seja da linha-dura seja dos opositores do regime, havia toda essa passividade social por temor da alternativa.
Só posso concluir que tenha sido justamente esse o objetivo da enxurrada de desinformação promovida pelas mídias bolsonaristas e petistas nos últimos anos, na qual, para efeitos de propaganda, a qual se confunde com a realidade, o adversário era pintado não como mais um político ruim ou indesejável entre tantos outros que já tivemos e ainda teremos, mas como o Mal Fundamental, o próprio Satanás, contra o qual vale a pena aceitar alegremente qualquer condição determinada pelos poderosos que têm recursos para desequilibrar a balança de poder a favor de um ou de outro e que são os únicos a se beneficiar dessa dinâmica.
Em plena democracia, pelo próprio jogo eleitoreiro e politiqueiro incentivado por ela, perdeu-se tudo aquilo que em princípio constituiria a essência de um regime democrático: a livre discussão, o voto por convicção, a independência de julgamento, o próprio sentido de opção real. Cada lado se vê como portador de valores absolutos e absolutistas que apenas encobrem os mesmos poderes absolutos e absolutistas que ambos representam.
Os eleitores do 13 ou do 22, em sua grande maioria, não votam por esperança, mas pelo medo, pelo medo difuso que se expressa especificamente pelo medo seja de apanhar na rua e de ser preso por usar uma camisa de determinada cor ou de ter falado alguma coisa na internet, seja do país virar o Afeganistão do Talibã ou a Venezuela bolivariana. Medo amplo que se espraia corrosivamente ao longo do tecido social para manter a sociedade ao mesmo tempo dividida e sob controle.
Que baita dialética: a esperança reinava ao final da última ditadura, que perseguiu muita gente e aniquilou violentamente todo um setor político, e hoje, ao final da atual democracia, que tudo permitiu e não aniquilou ninguém, reina o medo. O medo, segundo Montesquieu, era o princípio do despotismo, sendo que o despotismo de hoje não é exercido por nenhuma força eleitoral mas por quem está por trás de todas elas, manipulando-as para dividir e dominar a Nação.
Excelente! luz e razão tão raro em meio ao quase absoluto obscurantismo irracional, numa espécie de epidemia esquizofrênica.
Esse argumento faria sentido caso o outro lado não fosse corrupto, chefe de quadrilha, ter promovido terra arrasada em um país, e isso não sou eu quem diz, são os processos nos Estados Unidos , as obras faraônicas nas ditaduras ao redor do mundo, confissões e delações dos crimes pelos comparsas e por aí vai! Numa disputa entre ideias e ideais esse argumento é lúcido é válido, no nosso caso, não!
A guerra mundial é cognitiva e está em vigor há um bom tempo. No Brasil, não é diferente. Estamos vivendo uma chuva de informações que, em sua maioria, são inúteis e embaralhadas de maneira propositalmente confusa. Há uma ode ao caos ideológico, propagando uma espécie de confusão mental nas pessoas, pois a cada dia que passa somos bombardeados por notícias que contradizem outras notícias antes publicadas e visse versa. Essa confusão causa a desestruturação dos espectros ideológicos tradicionais. Veja bem, enquanto está todo mundo se digladiando e disputando no ringue do ego para ver quem está certo, o status quo continua intacto em sua essência. Essa briga generalizada causa a falsa impressão de que o povo está mais politizado do que nunca, quando, na verdade, o povo nunca esteve tão alienado quanto nestes últimos anos. Pode reparar, todas as pautas, tanto de esquerda quanto de direita, são discutidas de forma superficial; são jogados jargões, frases de efeito, inimigos imaginários (fascismo, nazismo, comunismo). Não há sequer uma discussão minimamente plausível. Não há uma proposta eficiente para modificar o modelo vigente. Simplesmente só há um histerismo que provoca a ruptura do coletivismo ideológico. Não há consensos, um objetivo em comum. Só vemos diariamente as pessoas travando uma luta individual para acabar com elefantes brancos criados por eles mesmos. Enquanto as pessoas perdem seu tempo discutindo “qual o menos pior”, a verdadeira agenda está sendo propagada com sucesso e contribuindo com o prejuízo de todas as pessoas, independente de suas ideologias distintas.
Toda a palhaçada eleitoral serviu somente para sepultar o nacionalismo fajuto que a direita criou baseando-se basicamente em preceitos republicanos importados. Já a esquerda goza do seu momento de triunfo e gaba-se de países imperialistas estarem devidamente satisfeitos com o resultado das eleições. Ou seja, houve uma batalha ideológica gigantesca com dois candidatos opostos, mas que, coincidentemente, resultam no mesmíssimo destino…