Por Lucas Leiroz, pesquisador em Ciências Sociais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro; consultor geopolítico.
O recente ataque com mísseis que atingiu a Polônia, resultando em duas mortes, causou grande preocupação em todo o mundo. A possibilidade de as autoridades polonesas invocarem o Artigo 5º da OTAN para mobilizar uma “resposta” à Rússia causava temor, já que essa hipótese seria uma espécie de declaração oficial da Terceira Guerra Mundial, além de poder escalar rapidamente para o nível nuclear. No entanto, os planos dos belicistas parecem ter falhado.
A narrativa do “ataque russo” está cada vez mais desacreditada. O presidente dos EUA, Joe Biden, disse que é “improvável” que Moscou seja o culpado pela ação. Mais do que isso, até o presidente da Polônia, Andrzej Duda, afirmou: “Atualmente não temos evidências de que o míssil foi disparado pelo lado russo”. Ele também disse que o míssil provavelmente era uma arma de fabricação russa disparada por um sistema de defesa aérea ucraniano.
Felizmente, parece que a escalada internacional do conflito está mais uma vez prestes a ser evitada. A OTAN não demonstrou vontade de tentar levar adiante a retórica infundada de que a Rússia atacou um membro da aliança. No entanto, o que ainda não está claro é o que acontecerá após a conclusão das investigações. Dados preliminares concluem que o míssil usado no bombardeio não é um dos tipos de equipamentos empregados pela Rússia na operação especial. Além disso, relatos apontam que o bombardeio russo mais próximo da região atingida no dia do ataque ocorreu a mais de 70 km de distância do vilarejo polonês afetado.
Na verdade, parece haver apenas um cenário possível: as forças ucranianas bombardearam a Polônia. Este fato óbvio coloca um desafio às autoridades ocidentais, que consiste em entender os motivos pelos quais Kiev teria tomado tal atitude. Existem duas hipóteses centrais: ou foi um acidente ou o governo ucraniano atacou deliberadamente a Polônia em uma operação de bandeira falsa para trazer a OTAN para o conflito.
Em ocasiões anteriores, Kiev já havia realizado várias manobras de “bandeira falsa” (false flag) para culpar os russos por crimes de guerra cometidos pelas próprias forças ucranianas, bem como justificar o recebimento de mais apoio militar e financeiro do Ocidente. Além disso, é improvável que um acidente tenha ocorrido naquela região específica, considerando a distância entre o território polonês e os alvos russos que as forças ucranianas planejam atingir com sua artilharia.
Assim, diante de uma evidente falsa bandeira ucraniana, que gerou vítimas fatais entre cidadãos de um país da OTAN, a atitude polonesa deveria ser bastante incisiva, priorizando seus interesses e a dignidade de seu povo sobre sua aliança com Kiev. Varsóvia deveria acabar com toda a forma de apoio militar e logístico ao país vizinho e apelar a toda a aliança atlântica para que faça o mesmo.
De fato, a mesma lógica que alguns oficiais querem aplicar contra a Rússia, invocando o Artigo 5, poderia ser aplicada contra Kiev, se a responsabilidade ucraniana for comprovada. O regulamento interno da OTAN aponta que a aliança deve declarar guerra a qualquer país que ataque um de seus membros. Tal regra não é exclusiva de Moscou, podendo ser perfeitamente aplicada também a estados “parceiros”, caso invadam os membros da aliança.
Obviamente, esse cenário é irreal, considerando o alto grau de cooperação entre ocidentais e ucranianos. Mas não é preciso que uma medida tão drástica seja tomada para que o objetivo de responder às provocações seja alcançado. Basta que a OTAN se comprometa a cessar imediatamente todo o apoio ao regime neonazista ucraniano, permitindo que as forças locais enfrentem a Rússia com recursos próprios, sem dinheiro estrangeiro, armas ou mercenários.
Essa atitude seria suficiente para garantir a resolução da questão ucraniana no curto prazo, pois o regime ficaria sem forças para continuar prolongando os confrontos e logo a situação estaria resolvida. Nesse cenário, ambos os lados, Rússia e Ocidente, poderiam até negociar em conjunto novos termos de paz e configurações territoriais na região, para atender aos interesses de ambos os lados e evitar novas escaladas no futuro.
No entanto, a OTAN não parece realmente interessada em mitigar efetivamente as consequências do conflito. Embora o ato ucraniano, intencional ou acidental, tenha sido prejudicial a um membro da aliança, o mais provável é que Kiev não sofra nenhuma consequência da OTAN.
Espera-se, no entanto, que os cidadãos da Polônia e de outros países da NATO fiquem cada vez menos contentes com esta situação, ao verem os seus territórios violados e as suas infraestruturas boicotadas (como no caso do Nord Stream) pelo eixo Ocidente-Kiev e são forçados a simplesmente aceitar esse tipo de humilhação sem nenhuma resposta, apenas em nome da “necessidade de ajudar a Ucrânia”. Portanto, quanto mais a OTAN prejudicar seus próprios cidadãos, mais sua impopularidade crescerá.
Fonte: InfoBrics