Por Geraldo Luis Lino.
Vinice Mabansag veio ao mundo à 1h29min da madrugada de 15 de novembro, em Tondo, Filipinas,
e recebeu da Organização das Nações Unidas (ONU) a homenagem simbólica de ser o oitavo
bilionésimo habitante do planeta Terra, transmitida por representantes da Comissão Filipina de
População e Desenvolvimento.
Foram 12 anos desde a marca anterior de 7 bilhões, como assinalado em um comunicado da ONU:
“Este crescimento sem precedentes deve-se ao aumento gradual da expectativa de vida humana devido
a melhorias na saúde pública, nutrição, higiene pessoal e medicina. É também o resultado de altos e
persistentes níveis de fertilidade em alguns países (Visão, 17/11/2022).”
Por uma ironia histórica, a pequena Vinice chegou em meio aos trabalhos da 27ª edição anual da conferência climática das Nações Unidas (COP-27), evento que representa atualmente a epítome do empenho do vasto aparato de poder, influência e propaganda que explora politicamente a ideologia oposta ao crescimento e progresso da população mundial, o malthusianismo, em sua moderna versão ambientalista.
Já em sua versão original do final do século XVIII, a ideologia difundida pelo reverendo inglês Thomas Malthus (que, de fato, plagiou ideias do monge veneziano Giammaria Ortes) se destinava a difundir
uma falaciosa noção da existência de “limites” ao tamanho da população humana e à possibilidade
de extensão dos benefícios do desenvolvimento e do progresso a toda a população mundial. Na realidade, Malthus era professor de Economia Política da Escola de Haileybury da Companhia das Índias Orientais, que preparava os funcionários da empresa que encarnava a empreitada colonial britânica, e suas ideias, como as de Adam Smith, visavam a pouco mais que proporcionar um verniz “científico” às práticas políticas e econômicas do Império Britânico.
Para Malthus, a hipotética limitação se deveria à impossibilidade de se alimentar uma população que crescia em razão geométrica, contra uma produção de alimentos que crescia em razão aritmética. Seus
herdeiros intelectuais, como o biólogo estadunidense Paul Ehrlich, autor do livro de 1968 “A bomba populacional”, uma das bíblias do neomalthusianismo contemporâneo, não refinaram muito o argumento, chegando ao extremo de sugerir um limite de 2 bilhões de pessoas para a população mundial. O próprio Ehrlich prognosticava o fracasso de quaisquer tentativas de combate à fome em escala global, com a ocorrência de milhões de mortes por ano a partir da década de 1970.
Para esses catastrofistas, não importa o fato de a população mundial ter se multiplicado por oito desde a época de Malthus. Por sua vez, a produção agropecuária mundial pode alimentar hoje nada menos que 12 bilhões de pessoas, 50% a mais que a população existente, como nos informa em seu livro “Destruição em massa: geopolítica da fome” (Cortez Editora, 2013), o sociólogo suíço Jean Ziegler, ex-relator especial da ONU para o direito à alimentação e uma das maiores autoridades mundiais no tema.
Em um artigo publicado no jornal canadense “The Hamilton Spectator” (23/11/2022), o Dr. Sylvain Charlebois, professor da Universidade Dalhousie, escrito para celebrar o oitavo bilionésimo habitante do
planeta, referiu-se à questão e apontou para os problemas reais:
“Mas estamos produzindo o suficiente para alimentar oito, nove ou mesmo dez bilhões de pessoas na Terra? A resposta é sim.
“Os setores alimentícios estão adaptando e desenvolvendo novas tecnologias a um ritmo espantoso. Muitos subestimam a capacidade de adaptação dos envolvidos na agroalimentação, da produção ao consumo. Enquanto o nosso planeta produz alimentos suficientes para alimentar os mais de oito bilhões de pessoas que o habitam, as desigualdades sistêmicas e disparidades econômicas têm levado a uma distribuição desequilibrada e acesso irregular às commodities agroalimentícias. A corrupção, pandemias,
pobreza, falta de infraestrutura e, é claro, conflitos geopolíticos, quem temos visto este ano com a Ucrânia e a Rússia, com frequência, enfraquecem a nossa segurança alimentícia global.”
Com o fomento da variante ambientalista do malthusianismo pelos centros de poder anglo-americanos,
a partir da década de 1960, a noção da limitação da população foi adornada com conceitos de grande apelo emocional, como os de “limites ao crescimento”, “capacidade de suporte”, “pegada ecológica”,
“biocapacidade” e, mais recentemente, “pegada de carbono” e “sobrecarga da Terra”. Todos não passam de engendros para oferecer uma justificativa supostamente científica para o pilar central do neomalthusianismo/ambientalismo: a ideia de que o planeta não dispõe de recursos naturais nem de condições ambientais para permitir que todos os povos e nações do mundo possam desfrutar de níveis de vida pelo menos próximos dos já atingidos pelas 40 nações mais desenvolvidas.
Ideia falaciosa que é não apenas cientificamente injustificável, como politicamente inadmissível e
eticamente inaceitável.
A disponibilidade de recursos para o compartilhamento do progresso socioeconômico em escala global não se restringe aos alimentos. Praticamente todos os recursos naturais, conhecimento científico-
-tecnológico e capacidades produtivas, necessários para tal empreitada civilizatória estão disponíveis.
O fator escasso é a vontade política para a superação da hegemonia das estruturas de egoísmo que dominam as agendas políticas e econômicas na grande maioria das nações, começando pelas potências hegemônicas euroatlânticas e suas subordinadas.
Um exemplo é a água, da qual os prognósticos de escassez física nas próximas décadas, constantemente
propagandeados pelos alarmistas, não se sustentam. O problema não é de escassez, mas de disponibilidade; o principal fator limitante da água disponível à humanidade é a poluição dos corpos líquidos, principalmente, pelo lançamento de esgotos sem tratamento neles. Ou seja, indisponibilidade de infraestrutura de saneamento básico, que afeta cerca de metade da humanidade e cuja solução requer apenas tecnologias já dominadas há séculos.
Ao mesmo tempo, as pesquisas em curso sobre novos materiais de construção, industriais e para outras atividades, em diversos países, estão abrindo caminho para suprimentos virtualmente inesgotáveis de insumos que antes eram considerados finitos.
Em síntese, na ausência de tais anomalias, o método científico tradicional sugere que não é possível se inferir qualquer influência humana na dinâmica climática global (as “ilhas de calor” urbanas constituem outro fenômeno, em uma escala duas ordens de grandeza inferior).
Quanto ao catastrofismo climático que constitui a ponta de lança da atual agenda ambientalista, assim
como a grande maioria dos elementos dessa pauta antiprogresso, ele não resiste ao teste elementar do
método científico:
1.Para que houvesse influência humana discernível na dinâmica climática global, seria preciso que
houvesse anomalias nas oscilações de temperaturas atmosféricas/oceânicas e dos níveis do mar
verificados desde a Revolução Industrial do século XVIII (grosso modo, os últimos 250 anos), em comparação com as registradas anteriormente, no Holoceno (a época geológica iniciada há
12.900 anos) e nos últimos períodos glaciais/interglaciais, nos últimos 400 mil anos.
2. O exame desses registros, a partir de literalmente milhares de estudos realizados em todos os
continentes por cientistas de dúzias de países (uma boa fonte é o sítio estadunidense www.co2science. org), não mostra quaisquer anomalias relevantes, nem nos níveis absolutos nem, principalmente, nos gradientes (taxas de variações) das oscilações daqueles parâmetros.
3. Ao contrário, no período entre 16.000 e 6.000 anos atrás, a subida dos níveis do mar atingiu uma média de 1 m/século, que é sete vezes maior que a verificada nos últimos 110-120 anos, como registram os relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas. E no início e no fim do período frio conhecido como Dryas Recente, entre 12.900 e 11.600 anos atrás, os gradientes de temperaturas atmosféricas chegaram a ser 24 vezes maiores que os registrados desde 1850-70. Mesmo ao longo do Holoceno, as oscilações de temperaturas atmosféricas/oceânicas não mostram quaisquer anomalia em relação aos últimos 150-170 anos, segundo os dados do IPCC.
4. Em síntese, na ausência de tais anomalias, o método científico tradicional sugere que não é possível
se inferir qualquer influência humana na dinâmica climática global (as “ilhas de calor” urbanas constituem outro fenômeno, em uma escala duas ordens de grandeza inferior).
5. Quanto à alegada correlação entre as concentrações atmosféricas de dióxido de carbono (CO2) e as temperaturas, no Holoceno Médio, entre 5.000-7.000 anos atrás, verificaram-se temperaturas e níveis do mar mais altos que os atuais, com concentrações de CO2 bem mais baixas.
Conclusão: a dinâmica climática global é bem mais complexa do que sugerem as correlações entre CO2 e temperaturas. Logo, o impulso de “descarbonização” da matriz energética mundial tem motivações alheias à Ciência e sua explicação deve ser buscada na agenda hegemônica das potências dominantes do eixo euroatlântico encabeçado pelos interesses anglo- americanos, como este jornal tem se empenhado em demonstrar desde as suas primeiras edições.
Felizmente para a pequena Vinice Mabansag, o mundo em que ela crescerá poderá oferecer-lhe erspectivas bem melhores do que se ela tivesse sido a bebê 7 bilhões ou 6 bilhões, quando aquelas potências hegemônicas ainda impunham as suas agendas políticas e econômicas sem grande oposição efetiva. Hoje, o catastrofismo neomalthusiano/ambientalista perde força diante da rápida reconfiguração
da ordem de poder mundial que está em curso, com a migração do centro de gravidade geoeconômico/geoestratégico do planeta, do eixo euroatlântico para o eurasiático. Um cenário que poderá oferecer ao seu país, assim como a outras ex-colônias de potências imperiais e aos que abrigam
quase 80% da população mundial, perspectivas reais para um desenvolvimento digno das possibilidades da condição humana no século XXI.
Assine o Jornal de Solidariedade Iberoamericana.
https://www.youtube.com/watch?v=01jjlxRhvPw&list=PL7JdBwVimaX2Uhira8WB7RPsY-zuu_KXK