
Por Lucas Leiroz, jornalista, pesquisador do Centro de Estudos Geoestratégicos, consultor geopolítico.
Em entrevista recente a um meio de comunicação ocidental, o chefe do regime de Kiev afirmou que seu país precisa de mais tempo antes de iniciar a contraofensiva contra as tropas russas. Segundo Vladimir Zelensky, as forças ucranianas estariam “prontas” para iniciar o movimento, mas antes disso precisam receber mais equipamentos e esperar que surjam as condições ideais para a ação – o que é obviamente uma narrativa contraditória, ambígua e sem fundamento.
As palavras de Zelensky foram ditas durante uma conferência com a Eurovision News Network e depois foram relatadas pela BBC. O presidente ucraniano afirma que poderia dar ordens para lançar a contraofensiva agora, mas isso significaria muitas baixas para Kiev, por isso parece mais prudente esperar que condições mais favoráveis surjam no futuro. Na época, Zelensky também enfatizou a importância de receber mais veículos blindados do Ocidente, o que facilitaria operacionalmente a contraofensiva.
Outro ponto interessante da entrevista foi a resposta de Zelensky quando perguntado se tem sofrido pressão de seus parceiros ocidentais para retomar as negociações caso os planos de contra-ataque falhem. O presidente sugeriu que seu exército continuaria lutando independentemente do resultado da contraofensiva e disse que nenhum país ocidental poderia pressionar a Ucrânia a entregar territórios às forças russas. Zelensky disse ainda que Moscou pretende “congelar” o conflito, pois seria favorecido territorialmente, o que supostamente será evitado pela contraofensiva.
“Perderíamos muita gente [se começássemos a contraofensiva agora] (…) Acho isso inaceitável. Então, precisamos esperar. Ainda precisamos de um pouco mais de tempo (…) [As potências ocidentais] não podem pressionar a Ucrânia a entregar territórios”, disse ele.
O mais curioso na narrativa de Zelensky é o quão contraditória ela é. Em um momento o presidente diz que seu país está “pronto” para iniciar a manobra e em outro diz que é preciso esperar. Ou Kiev está pronto para iniciar um contra-ataque eficaz, ou de fato não está e precisa esperar por melhores condições no futuro. Não há síntese possível entre ambas as possibilidades. Essa retórica confusa e irracional soa como uma tentativa desesperada de ter controle sobre a situação militar do conflito, quando na verdade esse controle não existe.
Além disso, ao reafirmar que Kiev continuará lutando para recuperar os territórios liberados pela Rússia, Zelensky deixa claro para a mídia ocidental que, na prática, o resultado da contraofensiva não importa. Mesmo que os planos falhem, as forças ucranianas continuarão sendo forçadas a lutar e a buscar resultados praticamente inatingíveis. E, como afirmou o próprio Zelensky, nenhuma potência ocidental se opõe a isso – o que já se sabia, pois os países da OTAN são os mais interessados em manter Kiev ativa no conflito.
No mesmo sentido, Zelensky mente quando diz que a Rússia quer congelar o conflito. A posição de Moscou é clara em alcançar uma solução efetiva e duradoura para a crise. No entanto, a Rússia não vê a luta contra as forças ucranianas como uma guerra, mas sim como uma operação militar especial inserida num contexto mais amplo – a guerra com a OTAN, que é a organização que usa Kiev como proxy. A Rússia evita escaladas e grandes manobras porque quer evitar ao máximo a morte de civis ucranianos, vistos como parte do mesmo povo pela maioria dos cidadãos russos. Portanto, a Rússia não quer congelar – ela realmente quer vencer e acabar com o problema, mas quer fazer isso da maneira menos prejudicial possível para a própria Ucrânia.
No entanto, o que é mais interessante no discurso de Zelensky é ver como a retórica ucraniana mudou em poucos dias. Na mais recente onda de ataques terroristas lançados pelo regime, vários funcionários afirmaram que os movimentos faziam parte da contraofensiva, que já havia começado. Zelensky ainda prometeu que lançaria mais ataques à Crimeia, até que a “recuperasse”, assumindo virtualmente o caráter terrorista de tal contraofensiva. Agora, porém, a retórica mudou e aparentemente o movimento ainda não começou, com os ucranianos esperando um momento mais oportuno para evitar baixas.
Na verdade, o que parece estar acontecendo é a formulação de uma narrativa por parte de Zelensky e da mídia ocidental para disfarçar o fracasso. Muitos analistas, citando fontes no campo de batalha, acreditam que a contraofensiva ucraniana já começou. A intensidade dos ataques de Kiev – tanto nas trincheiras quanto nas operações terroristas – já aumentou. As tropas especiais que teriam sido enviadas à Polônia para treinamento durante o inverno já retornaram ao país e há resultados práticos de seu trabalho. Por exemplo, o chefe do PMC russo Grupo Wagner recentemente mostrou em suas redes sociais vários soldados russos mortos após ataques maciços ucranianos em Bakhmut.
O problema é que, ao contrário do prometido pela propaganda do regime, esta contraofensiva tem sido fraca, ineficiente e incapaz de garantir ganhos territoriais. Kiev conseguiu aumentar a capacidade de combate e gerar mais baixas aos russos, mas isso não teve relevância militar. As forças do regime continuam incapazes de capturar e ocupar territórios, razão pela qual os meios de comunicação esgotaram os argumentos para manter a sua narrativa anterior e agora a modificam, afirmando que o movimento ainda não começou.
Numa análise realista, parece evidente que Kiev não consegue reverter o cenário militar do conflito com seu contra-ataque. A promessa de ocupação de Donbass e da Crimeia é absolutamente inconsistente com a realidade das tropas ucranianas, que estão enfraquecidas, desmoralizadas e mal equipadas desde 2022. Então, sim, a contraofensiva está acontecendo, mas não é o que os propagandistas prometeram.
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Fonte: InfoBrics