
Ganhou preponderância no debate político do país a próxima nomeação para o Supremo Tribunal Federal pelo presidente Lula. A pressão vem justamente de uma parte significativa da militância petista com influência nas redes sociais, descontentes com a atuação do recém-empossado Ministro Cristiano Zanin.
Há um mês no cargo de juiz da corte suprema do país, o ex-advogado de Lula nos processos movidos na Lava Jato vem causando desconforto nesses setores, pela postura garantista que vem assumindo em votações sobre uso de drogas e criminalização da homofobia e a medida pelo arquivamento de denúncias contra Jair Bolsonaro no inquérito sobre a omissão na demora na compra de vacinas contra Covid-19. Em termos práticos, sua postura é passar a bola para o Congresso Nacional, como a instituição que teria a prerrogativa de tratar dessas matérias. Para boa parte da militância de esquerda, dentro e fora do PT, essas ações seriam uma traição às pautas do governo e um aceno de “Lula ao conservadorismo”.
De pronto, esses mesmos setores descontentes, que reúnem twitteiros profissionais, humoristas blasés e jornalistas ligados à Globo iniciaram uma campanha pela nomeação de uma substituta para a próxima vaga com bases em critérios biológicos, ou seja, que seja mulher e negra. Se for LGBT, melhor ainda.
Nesse meio tempo, a Veja publicou uma entrevista com o vice-presidente do PT, Washington Quaquá, em que o ex-prefeito de Maricá (RJ) desanca essa mesma turma. Dizendo que muitos no partido teriam virado “fundamentalistas”, ataca também a Ministra do Meio Ambiente Marina Silva, pela atuação contra a exploração do petróleo na Margem Equatorial, na costa do Amapá e a militância que quer tratar como igual o racismo (“uma questão estrutural”) com a agenda LGBT, que avança no STF. Fazendo referência ao termo jocoso usado por Leonel Brizola para se referir aos petistas, chama essa militância barulhenta de “UDN de sunguinha”, ou seja, os moralistas antenados com o mais puro cosmopolitismo.
Ainda lembra que boa parte dos votos no PT vem de eleitores de baixa renda que não comungam dessa agenda cosmopolita e identitária. Da mesma forma, justifica que mesmo estando de lado oposto aos dos congressistas bolsonaristas Nicolas Ferreira e Carla Zambelli não compactuará no uso do regimento da Câmara para exclui-los do Congresso, nem colaborará para que o STF aja dessa forma.
O que Zanin no STF e as declarações de Quaquá podem ter em comum? Na política há o que é dito e o que fica subtendido. Desde que Bolsonaro saiu da presidência enfrenta uma rotina de réu, com depoimentos constantes na Polícia Federal e já uma condenação recebida no Tribunal Superior Eleitoral. Inelegível até 2030, ainda corre o risco de ser condenado no caso das joias, à medida em que a justiça chega cada vez mais perto de pessoas próximas ao ex-presidente.
No Brasil, a Justiça faz a Roda da Fortuna girar contra as mais populares lideranças do país. Se em 2022 Lula conquistou nas urnas o seu terceiro mandato, quatro anos antes estava lacrado em uma cela da PF em Curitiba. O mesmo pode acontecer a Bolsonaro, que mesmo com todos os processos e ataques midiáticos ainda é, junto com Lula, o político mais popular do Brasil, que tem pelo menos 30% do eleitorado a seu lado. Mesmo em campos opostos, longe de todos os discursos de polarização política (mais simbólica do que real), Lula pode estar sabendo por que Bolsonaro passa – e que, no futuro não muito distante, ele ainda pode passar por situação parecida, agravada pela avançada idade.
A entrada de Zanin pode sinalizar um aceno à oposição, de que não há intenção por parte de Lula de ir para o tudo ou nada contra o bolsonarismo, colocando um freio no ativismo no STF que pode se contrapor a ambos os lados, dependendo das circunstâncias. Se Lula comprometeu-se a seguir políticas ambientais rígidas, que tornam uma Marina Silva indemissível do cargo, talvez tenha resguardado para si o direito de nomear seu “cão de guarda” para a corte suprema.