
Por Raphael Machado.
Nos últimos dias começaram a pipocar em diferentes jornais (The Guardian, NBC, Jerusalem Post, Business Insider, etc.) boatos de que alguns personagens dos EUA e da UE estariam pressionando Zelensky para que ele aceitasse sentar com Putin para negociar a paz e que ele, inclusive, deveria de antemão estar disposto a abrir mão de algumas coisas (territórios, claro).
Ao mesmo tempo, surgem novas narrativas em outros jornais (CNN, NYT) tirando Valery Zaluzhny do buraco para contrapô-lo a Zelensky, o primeiro criticando o “impasse” militar com os russos, o segundo dizendo que não há impasse algum.
Desde a Cúpula da OTAN em Vilnius o tempo de Zelensky passou a ser contado. O fracasso da contraofensiva ucraniana, extremamente onerosa em homens, veículos e munições, convenceu a maioria dos países da Aliança Atlântica de que seria necessário mudar tudo em sua estratégia para lidar com a Rússia.
Para Zelensky isso passou a significar a inevitabilidade do abandono. Com estoques de armas e munições esgotando na UE, economias em recessão ou estagnadas, impopularidade crescente dos governos estabelecidos e um inimigo cada vez mais sólido não dava mais para continuar.
Isso já estava evidente com as declarações britânicas sobre o fim das munições, bem como com o impasse no Congresso dos EUA, empacando as remessas para a Ucrânia.
A eclosão de uma nova fase na Guerra Israel-Palestina acelerou o inevitável. Afinal, o que é o “lóbi ucraniano” perto do “lóbi” israelense nos EUA? Zelensky até pode ser judeu e isso pode ter sido vantajoso na hora construir pontes em Washington e Nova Iorque, mas ele não tem como competir com o Estado de Israel com essa cartada.
Mas não se enganem com a narrativa de que “Biden está tentando convencer Zelensky a aceitar a paz, mas está difícil”. Zelensky não é um ator político independente. Não só por ele ser um viciado em drogas, mas porque desde o início ele tem jogado um jogo nos termos de seus patrões ocidentais.
Por outro lado, pode ser que Zelensky esteja de fato sendo intransigente e este seria o motivo pelo qual “ressuscitaram” Zaluzhny, Comandante-em-Chefe das Forças Armadas da Ucrânia, na mídia ocidental.

O que se deve ter em mente sempre, porém, é que esses jornais ocidentais importantes não são meros “veículos de opinião”, mas porta-vozes de agências de inteligência. O portal “The American Conservative” expôs há alguns anos o papel da CIA na produção de “informações” jornalísticas cuja finalidade seria manipular a opinião pública.
Nesse sentido, há uma série de hipóteses que poderiam explicar a divulgação desses tipos de narrativas sobre a Ucrânia pelos EUA. Uma seria apresentar Zelensky como intransigente para aposentá-lo, botar o Zaluzhny no lugar e oferecer a paz. Na prática, para o Ocidente, seria bastante conveniente trocar um conflito pelo outro no lugar de acumular duas frentes de batalha simultaneamente.
Até porque não se sabe o que pode acontecer na Ásia…
A ideia poderia até ser de botar a culpa do fracasso da ofensiva ucraniana em Zelensky, para a opinião pública, e aí substituí-lo por Zaluzhny, já retratado para a opinião pública como sensato e estoico (frente ao comediante drogado), para forçar uma nova onda de remessas para a Ucrânia.
Mas o objetivo poderia ser ainda outro. Afinal, e se Zelensky, após fazer “jogo duro”, simplesmente se “convencer” a oferecer a paz a Putin, inclusive abrindo mão da Crimeia e do Donbass? Esse seria um truque que daria uma incrível invertida diplomática em Putin. Afinal, a narrativa até agora, eficiente em muitas partes, tem sido de que o Ocidente não quer a paz. Mas e se o Ocidente oferecer a paz? Se Putin não aceitar ele será bastante criticado, inclusive por muitas lideranças políticas “neutras”, do Papa a Lula, passando por várias outras em nível internacional.
Seria uma jogada que poderia até reverter um pouco dos sucessos diplomáticos de Putin no último ano junto aos países asiáticos, africanos e latino-americanos.
Eu levo isso em consideração porque, sinceramente, nem cogito de Putin aceitar a paz com a Ucrânia. É muito fácil para o Ocidente querer determinar quando será a paz depois de tentar por todos os meios destruir a Rússia, apelando inclusive ao terrorismo. Agora, sem armas e munições, e com o manpower ucraniano quase esgotado, querem paz?
A própria noção de um “impasse” é falaciosa. Por que enquanto a Ucrânia está empenhando tudo que pode em termos de homens, armas, munições, recursos, PIB, etc., a Rússia segue controlando o ritmo do jogo, usando uma fração disso tudo para enfrentar a Ucrânia apoiada por dezenas de países.
Putin ditou o ritmo de jogo até agora com a finalidade aparente de esgotar a Ucrânia e o Ocidente, com um mínimo de dispêndio de homens e um mínimo de esforço econômico.
Agora, considerando que Putin não atingiu nenhum objetivo estratégico declarado ao início da operação militar especial russa, ele só aceitaria uma oferta de paz, nas condições territoriais atuais, se pressionado por forças internas.
Entendam: Kherson, Zaporizhia, Donetsk e Lugansk são territórios contitucionais russos, por vontade popular. O Presidente não pode dispor do território da nação sob pena de impeachment por traição. Seria motivo, inclusive, para um golpe militar (lembram do motim ensaiado por Prigozhin? Pois é, agora seria de verdade).
Nenhuma paz agora seria duradoura. A Rússia já pactuou com o Ocidente pelos Acordos de Minsk e foi traída. Paz agora significaria guerra amanhã. Então é melhor guerra agora, para que haja uma paz mais duradoura amanhã.
Para uma paz duradoura, o mínimo que a Rússia precisa fazer é avançar além dos territórios constitucionais russos, para criar uma zona tampão abarcando, pelo menos, Nikolaev, Krivoy Rog, Dnepropetrovsk e Kharkov, além de mudança de regime em Kiev com a desmilitarização do país, em termos semelhantes aos impostos ao Japão pelos EUA, por exemplo.
Mas isso também deixaria de fora todos os outros objetivos estratégicos da “guerra secreta” que a Rússia está travando.
Para cumprir seus objetivos geopolíticos fundamentais, a Rússia precisa tomar Odessa para se tornar a grande potência do Mar Negro (plantando as sementes para um enfrentamento futuro com a Turquia em um período de 10 a 20 anos).
Para anular a ameaça de instrumentalização da Ucrânia contra si, a Rússia precisa integrar Kharkov (e não meramente torná-la tampão) e avançar o suficiente para garantir não só a desmilitarização e “desnazificação”, mas fragmentar o resto da Ucrânia em mais 2 ou 3 países.
Para acelerar o fim da OTAN a Rússia precisa garantir uma via segura ligando-a à Hungria através da Ucrânia, o que dará também acesso à Sérvia, o que implica de fato a presença russa continuada na Ucrânia até o oeste, ou a presença de governos favoráveis por todo o caminho.
Observem que para Putin não seria bom deixar o Irã, a Síria e o Líbano sozinhos enfrentando o poderio ocidental, já que a Rússia investiu demais na reorganização do Oriente Médio e na projeção meridional, de modo que a Rússia deve manter esse engajamento na Ucrânia, no mínimo, pelo tempo suficiente para beneficiar o Irã.
Portanto, apesar das narrativas midiáticas ocidentais, não há paz se aproximando da Ucrânia. A operação militar especial continuará.