Por Raphael Machado.
Hoje, Sayyid Hassan Nasrallah, o Secretário-Geral do Hezbollah, fez um excelente discurso, bastante esclarecedor e contundente que merece ser repassado em seus pontos principais.
Nasrallah deu grande ênfase aos mártires que caíram no combate contra as forças sionistas, bem como ao martírio como sendo algo glorioso e santificador, ressaltando o caráter internacional da luta travada pelo Eixo da Resistência, fazendo questão aí de mencionar o papel também de iraquianos e iemenitas. É por isso que, ao longo do discurso, ele fez referência ao fato dessa ser uma “guerra santa”.
Por ser uma guerra santa, Nasrallah condenou e admoestou os regimes árabes e islâmicos da região por sua falta de honra e por sua covardia. Recordem que este discurso foi transmitido na Al-Mayadeen e na Al-Jazeera, além das outras emissoras regionais, o que significa que provavelmente foi assistido em quase todos os lares do mundo turco, árabe e persa. Nasrallah instou os governos árabes a fazerem, pelo menos, o mínimo: cortar relações diplomáticas e comerciais com Israel, fundamentalmente parando de exportar recursos energéticos para o regime sionista.
Essas palavras podem ter repercussão significativa em muitos países, já que o apoio popular à Palestina é maciço, mas os governos árabes estão acovardados, não raro criticando “exageros” mas preservando laços com Israel e fundamentalmente torcendo pra tudo acabar logo pra voltarem às boas relações com os sionistas.
É interessante, ademais, que Nasrallah destaca o protagonismo da Resistência Palestina em todas as suas ações até agora. Me parece que a intenção de Nasrallah (e imaginamos que se trate da intenção do Eixo da Resistência como um todo) é garantir que qualquer resultado alcançado contra Israel seja visto como triunfo fundamentalmente palestino, mais do que de qualquer outra força.
Destaca-se quatro elementos fundamentais que conduziram à atual fase do conflito Israel-Palestina, que não é uma nova guerra, mas simplesmente uma fase nova na guerra que já dura 75 anos: 1) A presença de milhares de prisioneiros palestinos, incluindo menores, em condições inumanas e irregulares em prisões israelenses; 2) A crescente pressão sobre a Mesquita de Al-Aqsa, com atos de violência nos arredores, invasões e a intenção declarada de demolir a mesquita; 3) A transformação de Gaza em um campo de concentração sem nenhuma melhoria nas condições locais em 20 anos; 4) Os avanços sobre a Cisjordânia, acarretando confiscos de casas, demolições, assassinatos, sequestros e a restrição dos palestinos em um espaço cada vez menor.
Tudo isso testemunhado pelas organizações internacionais, pelas potências ocidentais, pelos países árabes, pelos tribunais internacionais, todos permanecendo em silêncio. Que outra opção os palestinos tinham, senão forçar a situação até eclodir aos olhos de todos? Os palestinos estão sendo martirizados, sim, mas não há e não havia outra opção. E o Hamas tinha plena consciência de tudo que aconteceria.
Israel é apontada como tendo sido exposta em toda a sua fragilidade. Um país mantido de pé exclusivamente pelos EUA. Os massacres indiscriminados de civis palestinos não são demonstração de força, mas de histeria e desespero, uma vingança impotente contra mulheres e crianças por causa do ataque de 7 de Outubro que devastou as forças militares e policiais israelenses nos arredores de Gaza.
Nasrallah faz muito bem, também, em apontar para as mentiras da propaganda israelense. Israel inventa atrocidades e fica tentando tirar leite de suas narrativas para “suavizar” a gravidade dos massacres de palestinos que estão sendo testemunhados diariamente por todo o mundo. Essas mentiras serão expostas e cairão por terra após a derrota do regime sionista.
Mais essencialmente, Nasrallah aponta para a responsabilidade primária dos EUA em tudo que está acontecendo e que o conflito por Gaza é muito maior e mais importante do que parece à primeira vista. Ele diz que após este conflito, todo o mundo será diferente do que era antes. Nesse sentido, ele está apontando para a transição da unipolaridade para a multipolaridade.
Nasrallah ressalta que apoiar os palestinos contra o sionismo não é opcional, é um dever ético, religioso e corresponde ao próprio interesse dos países da região, porque se Gaza e a Cisjordânia caírem, logo Israel lançará seus olhos para o Líbano, para a Síria, para a Jordânia, para o Egito. Inclusive por causa da presença de forças especiais estadunidenses no chão em Gaza, confirmado por Nasrallah.
Agora, sobre a temática militar: Nasrallah enfatizou que o Hezbollah não precisa entrar no conflito, porque já está plenamente engajado nele desde o dia 8 de outubro. Ele apontou que tudo estava correndo conforme os planos do Hezbollah, que as ações do Hezbollah eram as suficientes e necessárias e que o Hezbollah está apenas começando a sua operação no norte de Israel, e que nos próximos dias a operação entraria em um novo nível. Ele indicou que, por causa do Hezbollah, Israel teve que deslocar 1/3 de suas Forças Armadas para a fronteira com o Líbano.
Segundo Nasrallah, em breve, todas as forças do Eixo da Resistência, em vários países, estarão atuando em uníssono contra Israel e que o grau de agressividade do próprio Hezbollah dependerá do que Israel fará na fronteira com o Líbano. Ou seja, na prática, Nasrallah indicou que Israel está entre a cruz e a espada, porque é o Eixo da Resistência que está dando o ritmo do jogo.
Quanto à presença dos EUA na região, ele ridicularizou as forças estadunidenses, disse que não tinha medo da Marinha dos EUA e que o Eixo da Resistência afundaria os porta-aviões se os EUA usassem sua Marinha contra o Hezbollah e o Líbano.
Em suma, é um discurso bem interessante que dá o tom estratégico usado pelo Eixo da Resistência nesse conflito e aponta para uma longa guerra que, aos poucos, se confundirá com o conflito na Síria, no Iraque e na própria Ucrânia.