
Neste dia 15 de novembro, comemora-se mais um aniversário da República, instituição cada vez mais questionada, mas que deu ao país as feições institucionais que hoje temos, com a separação entre os três poderes e os chefes de Estado eleitos. Instaurada em 1889, a República foi revalidada com o plebiscito de 1993, em que a escolha da grande maioria votante foi pela forma de governo republicana.
Com a crise política que se instaurou nos últimos dez anos, observou-se um ressurgimento de vozes a favor da Monarquia, estampadas em bandeiras imperiais postas nas frentes e janelas das casas e apartamentos e em adesivos na traseira de veículos. Certas tendências do conservadorismo adotaram mesmo a restauração da casa imperial. Acusam a República de “ilegítima” e fruto de um golpe de Estado, tendo à frente o Marechal Deodoro da Fonseca, que, de amigo do Imperador Pedro II, o teria traído ao depô-lo e enviar ele e sua família ao exílio na Europa.
Contudo, cabe lembrar que na década de 1880 duas causas mobilizavam o país: a Abolição da Escravatura e o Republicanismo. A primeira, antes restritas a militantes e ex-escravos, ganhava apoio na elite intelectual e política, da qual o maior expoente foi o pernambucano Joaquim Nabuco, autor de “O Abolicionismo”, que nesta obra fundamental da literatura e do pensamento político brasileiro denunciava que a escravidão corrompe não só o escravo, mas também o escravocrata.
Já o Republicanismo fazia-se presente em duas frentes: uma tendência agrupada no Partido Republicano Paulista, de inspiração americanista, influenciada pelo pensamento e pelas instituições estadunidenses, e outra, mais presente no Rio de Janeiro, capital do Império, calcada no Positivismo e no Republicanismo Clássico, que inspirou até a Revolução Francesa. Esta vertente republicanista tinha uma boa adesão dos jovens oficiais militares, sobretudo no Exército.
Na verdade, o grande ponto de inflexão foi a posição do Exército. Anteriormente uma instituição esvaziada em detrimento da Guarda Nacional, o Exército ganhou proeminência com a Guerra do Paraguai e a vitória incontestável do Brasil sobre as forças de Solano López. Com o Duque de Caxias à frente, o Exército ganhou força e prestígio, colocando-se como ator político de peso na política nacional. A atuação do Exército corroborou a causa abolicionista, quando os militares se recusaram a ajudar na captura de escravos fugidos, em rota de colisão com forças oligárquicas com peso nos gabinetes do Império. Com a Abolição, assinada pela regente Princesa Isabel em 1888, o Exército se enxergou fortalecido e os movimentos republicanos só ganhavam força na capital.
O cineasta Glauber Rocha uma vez escreveu que “o Golpe de 1964 nasceu na Guerra do Paraguai”. Tirando a licença poética do autor, certamente ali nasceu um movimento político das FFAA que, para o bem ou para o mal, foi decisivo para diversos episódios da história política brasileira: a Proclamação da República, o Tenentismo e a Revolução de 1930, o Estado Novo e sua queda e, por último, o Regime Militar de 1964 a 1985.
Outro fator que contribuiu para a Queda do Império foi a fraqueza da liderança imperial e a perda da base de apoio política. No final da fatídica década, Pedro II já vinha sofrendo com problemas de saúde, que fizeram com que ele passasse a regência para sua filha, quando esta assinou a Lei Áurea. Também não tinha herdeiros do sexo masculino, tendo como sucessora Isabel, casada com o Conde D´Eu da dinastia de Orleans, que reinou na França de 1830 a 1848. O conde era malquisto pelo Exército, antipatia fruto também da liderança do conde assumida nas forças brasileiras da Guerra do Paraguai, depois que Caxias abandonou o comando das tropas. O fato de ele ser um príncipe consorte estrangeiro foi mais um agravante.
Por outro lado, grandes setores da oligarquia aderiram à causa republicana, com a formação de partidos republicanos nas então províncias de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, este último ainda impactado pela existência da República Rio-Grandense de Piratini (1836-1845).
A instauração da República se fez pela ação dos militares alinhados com a causa, próximos ao Republicanismo Positivista, mas logo depois os americanistas passaram a ditar o desenho institucional do novo regime. A Constituição de 1891 legitimou a descentralização federalista e a separação rígida entre os poderes, instituindo o presidencialismo. Não à toa, o monarquista paulista Eduardo Prado denunciou a tentativa de copiar as instituições estadunidenses, descaracterizando a política e a sociedade nacional em “A Ilusão Americana”. Por sua vez, os militares republicanos, sob a égide do Marechal Floriano Peixoto, segundo presidente da República, perdiam força política para as oligarquias americanistas com as derrotas militares na Guerra de Canudos.
Ou seja, mal passados dez anos de sua instauração, a República já perdia prestígio entre os desiludidos com os arranjos oligárquicos e com a força demonstrada pelos sertanejos de Canudos, liderados pelo monarquista Antônio Conselheiro. Para resgatar o prestígio da política externa brasileira foi chamado um barão filho de um visconde dos tempos imperiais, José Paranhos, o Barão do Rio Branco, que solucionou positivamente todas as questões fronteiriças com todos os vizinhos do Brasil.
Entretanto, desde 1889, não se constituiu nenhum movimento de grande alcance para a restauração monárquica. A própria instituição do Império, lograda com a Independência, foi uma solução encontrada pelo republicano José Bonifácio, calcando o poder no herdeiro do trono português (Pedro I) com a filha do imperador da mais prestigiada dinastia europeia, os Habsburgos (Leopoldina). Em um tempo histórico em que recuperavam prestígio as monarquias após a derrota de Napoleão e após o Congresso de Viena. Assim durante o período imperial, boa parte da legitimidade e apoio à monarquia decorria do prestígio das figuras de Pedro I e Pedro II, este último alçado ao trono com apenas 14 anos.
Contudo, os saudosistas do império gostam de contrastar a pujança que o Brasil possuía, sobretudo à época do Primeiro Reinado, com a fraqueza do período republicano, sobretudo no campo militar e econômico. A força militar do império não se manteve devido a vários fatores, incluindo a ascensão de novas potências econômicas e militares, os Estados Unidos e a Alemanha. Também esquecem que após a abdicação de D. Pedro I, o país passou por um processo de esfacelamento do poder e desintegração, com todas as revoltas regionais. Foram os governos regenciais que esvaziaram o Exército, que só se recuperou com a Guerra do Paraguai.
Assim, neste Dia da República, feriado nacional, cabe esmiuçar o sentido da palavra “república”, de origem latina, “res” (coisa) + “pública”: coisa pública. Neste sentido original não diz respeito apenas uma forma de governo, mas como se governa, de forma orientada ao interesse público, ao bem-estar da coletividade, em que o patrimônio público não se confunde com o patrimônio do governante, seja ele um rei, imperador ou presidente. Tal concepção, baseada na separação entre a coisa pública e a privada, consolidou-se com as chamadas Revoluções Burguesas, de acordo com a Sociologia e a Ciência Política, e não deixarão de existir na sociedade moderna.
Além disso, essa noção de “coisa pública” também é a base do nacionalismo moderno. Os cidadãos lutam e se mobilizam pela defesa do interesse público, pelo patrimônio nacional que subsistem à passagem de gerações – sucedem-se como folhas levadas pelo vento, como já dizia o imemorial poeta Homero – e não pela figura dos monarcas e suas dinastias.
Assim sendo, só resta saudar os 134 a República, com seus altos e baixos, mas que é o regime que marca o florescimento do Brasil moderno.