O Exército Brasileiro, por meio de seu Estado-Maior, elaborou o “Manual de Fundamentos e Conceito Operacional do Exército Brasileiro“. Embora não tenha sido destinado para o público externo, serve como um ótimo guia para compreender os planos e pretensões da Força Terrestre para as próximas décadas.
O tema do manual é o Conceito Operacional do Exército Brasileiro até 2040 e trata não só de questões tipicamente militares mas da relação da instituição com a sociedade e a classe político, destacando o pouco interesse, fora dos ambientes militares, pelas questões de Defesa. Ressaltando que o documento foi publicado no Governo Lula, após a crise do 8 de janeiro.
O Manual de Fundamentos, Conceito Operacional do Exército Brasileiro Operações de Convergência 2040, assinado pelo General de Exército Valério Stumpf Trindade em 11 de março de 2023.
O texto foi analisado por Robson Augusto, da “Revista Sociedade Militar“, que destacou os pontos principais, a seguir:
O que o Exército Pensa da Sociedade Brasileira
Pouca Percepção sobre Ameaças reais e Imaturidade: O Exército reconhece uma lacuna na percepção pública sobre segurança nacional e ameaças em geral, o texto menciona que há uma “carência de percepção da população brasileira acerca de atores, circunstâncias e cenários que possam se configurar em ameaças ao Estado”. Embora não tenha sido mencionados detalhes, a força, que tem ótimas ferramentas para aferir a opinião pública, entre elas as suas próprias mídias sociais, com milhões de seguidores, além de softwares contratadas especialmente para isso, como o VTracker e o MLabs, que permitem analisar os perfis de usuários, obviamente levou em consideração a atual baixa de status dos militares, frequentes citações negativas na mídia e todo o contexto dos últimos 24 meses, quando têm sido cobrada diuturnamente pela sociedade por meio das mídias sociais e canais de comunicação disponíveis.
Pouca Coesão: Há uma preocupação com as disparidades regionais e seus impactos na coesão nacional. O documento aponta para os “vazios demográficos e a defasagem de atividades econômicas em algumas regiões do país”, enfatizando a necessidade de um esforço mais robusto para a integração nacional e o desenvolvimento equitativo. Oficiais generais, como os generais de Exército Augusto Heleno e Villas Bôas, nos últimos anos manifestaram preocupação com vazios demográficos que favorecem inclusive a atuação de ONGs estrangeiras com interesses que nem sempre são positivos para o país.
O que o Exército Quer da Sociedade
Conscientização e Apoio: Pelo documento fica claro que a força terrestre quer aumentar a consciência sobre defesa e segurança. O Exército busca um envolvimento mais profundo da sociedade nas questões de defesa, esperando um apoio mais amplo e uma compreensão mais profunda das necessidades estratégicas e operacionais. Uma conscientização tão profunda obviamente não se alcança de um dia para o outro. Entretanto, a força terrestre não se manifesta sobre como satisfazer esse anseio, se vai sugerir alterações nos currículos do ensino fundamental ou médio com vistas a enfatizar temas relacionados à defesa nacional, se isso será feito via classe política ou se as próprias mídias sociais da força será utilizadas com esse objetivo.
Conscientização e Apoio: Pelo documento fica claro que a força terrestre quer aumentar a consciência sobre defesa e segurança. O Exército busca um envolvimento mais profundo da sociedade nas questões de defesa, esperando um apoio mais amplo e uma compreensão mais profunda das necessidades estratégicas e operacionais. Uma conscientização tão profunda obviamente não se alcança de um dia para o outro. Entretanto, a força terrestre não se manifesta sobre como satisfazer esse anseio, se vai sugerir alterações nos currículos do ensino fundamental ou médio com vistas a enfatizar temas relacionados à defesa nacional, se isso será feito via classe política ou se as próprias mídias sociais da força será utilizadas com esse objetivo.
Colaboração em CT&I: A força terrestre admite que a defasagem tecnológica e carência de recursos militares deixem o país em situação de vulnerabilidade e com pouca autonomia.
Em um trecho, lê se que “… é muito provável que, em razão do aumento do gap tecnológico entre os países, as nações providas de limitados recursos de poder militar sejam instadas, de forma mais incisiva, a se posicionarem quanto a eventuais alinhamentos políticos, econômicos e militares, o que limitará as suas autonomias no âmbito internacional”.
No texto a força terrestre diz que valoriza a “priorização e integração dos setores governamental, industrial e acadêmico”, reconhecendo que essa colaboração é essencial para desenvolver e manter uma base tecnológica autônoma, crucial para a segurança nacional e a soberania tecnológica.
Suporte à Modernização e Preparo Militar: O Exército almeja apoio público e político para suas iniciativas de modernização. O documento ressalta a importância da modernização contínua para manter a prontidão operacional e a capacidade de resposta às ameaças emergentes.
Apesar de ressaltar a postura defensiva, dissuasória, das Forças Armadas Brasileiras, o texto do Estado Maior do Exército é enfático ao dizer que é necessário desenvolver capacidades de realizar “penetrações profundas” de forma ágil. “Como consequência, é provável que no contexto de operações ofensivas, as penetrações profundas executadas com a máxima rapidez e com amplo emprego de tecnologia embarcada, a fim de atingir objetivos operacionais decisivos, passem a orientar cada vez mais o emprego da aviação do exército e das forças blindadas”.
O que o Exército pretende entregar para a Sociedade
Garantia de Segurança e Soberania: O compromisso central do Exército, segundo o texto do Estado maior da força, é a proteção da soberania nacional. A força terrestre buscará garantir segurança contra ameaças e agressões, atuando de forma decisiva na defesa territorial e marítima do país e – mencionando que há possibilidade do Brasil ser agredido no futuro – o texto deixa claro que o Exército pode ser demandado a auxiliar a Marinha, que na sua visão não tem condições de defender a plataforma continental.
Lê-se em um trecho: “É possível que os espaços marítimos venham a se tornar alvos de contestações que poderão ameaçar os interesses do Estado brasileiro no Atlântico Sul. Nesse sentido, considerando que o poder naval brasileiro, em suas condições atuais, tem capacidade restrita de se contrapor a ações advindas de crises e conflitos pelo uso dos mares ou de garantir a soberania nas Águas Jurisdicionais Brasileiras (AJB)¹, torna-se uma necessidade crítica agregar capacidades da Força Aérea Brasileira (FAB) e da F Ter na defesa destes espaços.”
Contribuição ao Desenvolvimento Sustentável: O Exército enfatiza seu papel no desenvolvimento sustentável, especialmente em regiões estratégicas como a Amazônia. Esta abordagem aparentemente visa não apenas a proteção pelo prisma de defesa nacional, mas também o desenvolvimento socioeconômico dessas áreas.
Fortalecimento da Defesa Cibernética: Com o avanço da tecnologia, o Exército pretende reforçar suas capacidades cibernéticas. A força busca proteger o país contra ameaças digitais e garantir a segurança das infraestruturas críticas de informação.
Comentários JORNAL PURO SANGUE:
A iniciativa de elaboração do manual pelo Exército é salutar, ao destacar pontos importantes como a necessidade de maior interesse dos civis por assuntos militares, pela questão da Amazônia e seu vazio demográfico e pela questão da defasagem tecnológica, que só poderá ser revertida ou mitigada com uma política industrial eficaz.
Chama a atenção o pouco apoio institucional que o atual governo deu à questão, pois, caso fosse prioridade, poderia se articular comissões interministeriais sobre o tema. Assim, o tema fica restrito ao Exército, sem maior apoio do Ministério da Defesa, para nem mesmo reunir as demais forças nos problemas levantados pelo documento do Exército, que trata das questões de defesa dos mares e águas territoriais. Além de ser ignorado pelos grandes meios de comunicação.
Foto: Gen. Villas Boas durante apresentação na Comissão de Relações Exteriores do Senado, presidida pelo então senador Fernando Collor.