Por Ricardo Nuno Costa
Da mesma forma que agricultores romenos em protesto exibem bandeiras nacionais do tempo do comunismo, no leste da Alemanha há quem faça questão em ostentar os símbolos da RDA (República Democrática Alemã), desse período ido, em que “nem tudo era tão mau como dizem”.
Não creio que haja neste amplo movimento nenhum especial interesse em querer voltar ao passado, mas aqueles que cresceram nos anos 70 e 80, quer seja no leste como no oeste deste continente, têm saudades dos tempos em que “as coisas eram normais”. Quando havia habitação acessível, saúde pública, educação gratuita e com qualidade, havia perspectivas de futuro para si e sua prole. Ora tudo isso se está esfumando rapidamente na voragem neoliberal que assistimos com cada vez maior intensidade.
Os agricultores queixam-se dos preços da energia, do encarecimento dos fertilizantes, dos impostos e das mil e uma taxas, para além dos parâmetros que têm de seguir à risca. Tudo parece feito à medida para que a lavoura não compense e que o pequeno e médio lavrador desista do sonho de independência e viabilidade econômica que o setor já garantiu.
É óbvio que toda a situação é consequência das imposições da Agenda 2030 e dos critérios de um mercado global que dá enormes ganhos às grandes corporações e fundos que detêm as maiores cooperativas e jogam com elas na bolsa. É o tal ‘stakeholder capitalism‘, em que “só é pobre quem quer”, como dizem os liberais. Mercado que sendo global, também não é cumprido da mesma forma na Europa, como na África, na Índia, nos EUA, China ou Mercosul.
A este desafio, feito de forma a eliminar os pequenos do meio, somou-se em 2022 a desastrosa política de sanções europeias ao seu maior fornecedor de energia e fertilizantes. Alertamos aqui para isto no dia em que tamanho disparate foi anunciado. Em Portugal, todos os partidos com representação parlamentar, à exceção do PCP (Partido Comunista Português), embarcaram nessa fanfarronada. Também Rui Rio, enquanto presidente do PSD, advertiu para as consequências de tamanha irresponsabilidade. Toda a gente sabe que destino lhe deram ao anterior líder da oposição.
Como se não bastasse, a UE e os governos às suas ordens, dizem que não há verbas para as exigências dos agricultores, para ajudas para costear as exigências da própria UE. Mas para armas e para hostilizar o seu antigo fornecedor de energia barata, Von der Leyen não teve problemas em anunciar ontem uma nova verba de 50 mil milhões de euros para o regime marionete de Kiev: “Vamos fornecer mais tanques, helicópteros, defesa aérea, mísseis e, claro, mais projéteis… A UE vai entregar 500 mil cartuchos até março e duplicar esse número até ao final do ano”, anunciou ontem a presidente não eleita da Comissão da UE.
A situação dos agricultores é incomportável. Seguindo assim, dezenas de milhar de propriedades serão postas à venda a preços irrisórios, e chegarão os grandes fundos de investimento que ficarão com o botim e com a riqueza real dos países. Já o fizeram com o mercado imobiliário no rescaldo da crise de 2007-08, e preparam um assalto sem precedentes também a um dos territórios mais extensos, mais ricos e de maior produção agrícola mundial, a Argentina, onde puseram um fantoche para tal propósito.
Os agricultores europeus, que brandirão cada vez mais as suas bandeiras nacionais e alguma que outra bandeira saudosista de diferentes vertentes políticas, não o farão porque são “fascistas” ou “comunistas”, fá-lo-ão porque se sentem parte de uma nação e faz-lhes falta o Estado. É nessas insígnias que sentem a segurança e independência que querem voltar a ter e que o capitalismo neoliberal lhes furtou.
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