Por Raphael Machado.
Desde o início da operação militar especial, tem sido um objetivo do Ocidente forçar a Rússia a desviar a sua atenção da Ucrânia para outros cenários em suas fronteiras, bem como pressionar os aliados internacionais da Rússia a abandoná-la.
Isso colocou uma série de países em uma encruzilhada, já que a maioria dos países do mundo estava sinceramente engajada em esforços de “integração global” e de adequação de suas políticas internas aos padrões “ONU” de democracia liberal planetária – quase ninguém previa uma reviravolta radical na estrutura internacional, menos ainda que se poderia estar passando para um novo nomos da terra iliberal e pós-globalização.
O caso da Sérvia é típico. O país tem buscado se integrar à União Europeia há vários anos, bem como busca melhorar suas relações com várias outras organizações internacionais dominadas pelo Ocidente, e busca adaptar a sua política interna às exigências liberal-democráticas. Ao mesmo tempo, diante da crise geopolítica mundial, a Sérvia foi o único país da Europa a se recusar a sancionar a Rússia (mesmo a Hungria acatou algumas sanções) e segue desenvolvendo a cooperação militar com a Rússia.
No início desse ano, por exemplo, a Sérvia recebeu carregamentos de sistemas antidrones da Rússia. Em contrapartida, empresas sérvias foram sancionadas pelos EUA por suas relações com a Rússia. Enquanto isso, essa semana, a Sérvia participa dos exercícios militares “Irmandade Eslava” junto com a Rússia e Belarus na fronteira entre Belarus e Polônia. O Ocidente insiste que o acesso à UE dependerá da Sérvia sancionar a Rússia.
Mas parece que isso não basta, e o Ocidente acumula exigências sobre a Sérvia, como por exemplo parar de bloquear o acesso do Kosovo a organizações internacionais e reconhecer a independência da entidade narcoterrorista em questão.
De fato, as últimas polêmicas balcânicas envolvem exatamente indícios de instabilidade regional por causa da pressão ocidental em cima da Sérvia em prol do Kosovo.
Mês passado, o presidente da Sérvia Alexander Vucic alertou que se não fosse possível confiar na ONU como árbitro imparcial, haveria “consequências imprevisíveis” em vista da limpeza étnica em andamento praticada contra a minoria sérvia no Kosovo (região histórica sérvia).
No ano passado, entre setembro e outubro, um conflito armado quase eclodiu na região conforme o governo narcoterrorista do Kosovo começou a efetivar prisões arbitrárias de sérvios, cancelou os documentos emitidos na Sérvia e a Sérvia acumulou tropas nas fronteiras. O governo kosovar afirma que a Sérvia tinha planos de anexar o norte do Kosovo.
Agora, o Conselho da Europa iniciou procedimentos formais para integrar o Kosovo em suas fileiras, o que é considerado inaceitável pela Sérvia, já que colabora para a “normalização” de uma entidade territorial cuja independência ela não reconhece. Desse modo, a Sérvia ameaçou se retirar do Conselho da Europa e afirmou que “responderia” àquilo que ela considera uma provocação.
A integração já deu alguns passos adiante e agora depende apenas dos ministros de relações exteriores dos países-membros. Estes já emendaram esse mês as normas sobre a entrada da Sérvia na UE acrescentando a condição de que o país deve parar de obstruir a entrada do Kosovo em organizações internacionais e passar a aceitar documentos emitidos no Kosovo.
O Kosovo, porém, não deixou de implementar medidas voltadas especificamente para constranger a população sérvia. Recentemente, por exemplo, o Kosovo adotou o euro, subitamente revogando a aceitabilidade do denário sérvio, a moeda mais comumente usada pela minoria sérvia. Em contrapartida, as minorias sérvias boicotaram eleições municipais que aconteceram em algumas cidades essa semana – eleições repetidas porque a primeira tentativa, do ano passado, esteve envolta em controvérsias, já que se deram após a renúncia de prefeitos sérvios, os quais renunciaram porque o governo narcoterrorista do Kosovo impede os municípios de se organizaram de forma associativa entre si (proibição que viola os acordos de paz). Ademais, a Sérvia começou exercícios militares na fronteira mais uma vez.
O Kosovo não é o único foco de tensão envolvendo a Sérvia, porém, havendo também a República Sérvia da Bósnia, uma grande região autônoma de maioria sérvia que fica no território do atual Estado bósnio.
É que a ONU está sendo instada a discutir se décadas atrás os sérvios cometeram genocídio na Bósnia, com destaque para o mito de Srebrenica, quando o Ocidente alega que os sérvios teriam chacinado civis bósnios. Naturalmente, equipes independentes já na época esclareceram que os terroristas bósnios (vinculados à Al-Qaeda) usaram os cadáveres de militantes e inclusive cadáveres sérvios para alegar que se tratava de “civis” e assim “provar” o massacre. Não obstante, a versão oficial permanece sendo a do “genocídio”.
A narrativa, que é rechaçada pela Sérvia (e pela Rússia e até mesmo pelo Irã!), pode levar a uma cascata de consequências jurídico-políticas, já que estruturas e acordos construídas com base no genocídio não tem como se sustentar no Direito Internacional contemporâneo. O reconhecimento de que uma pessoa ou entidade cometeu genocídio a situa praticamente fora do direito.
Isso pode levar à revogação automática dos Acordos de Dayton, bem como levar à revogação do reconhecimento de autonomia da República Sérvia da Bósnia, que hoje é governada por Milorad Dodik. Dodik, também essa semana, declarou que os sérvios da Bósnia não sobreviverão se a sua região não se tornar independente e se unificar com a Sérvia.
Ele defende a realização de um referendo pela independência e foi sancionado pelos EUA por isso.
Enquanto isso, a Rússia já trata a República Sérvia da Bósnia como Estado independente. Dodik esteve ainda essa semana em Moscou para uma conferência de segurança, e no lugar da bandeira bósnia os organizadores puseram a bandeira sérvio-bósnia para representá-lo.
A Rússia prometeu se posicionar contra qualquer resolução reconhecendo um suposto “genocídio” praticado pelos sérvios, na votação que provavelmente se dará no início de maio.
Não obstante, seria um erro pensar a Sérvia como um ator independente e contra-hegemônico. Vucic esteve reunido recentemente com Macron e está para fechar um acordo para compra de Rafales, tornando-se dependente da França no âmbito militar.
Ademais, por exigência da UE, a Sérvia aprovou esse ano uma legislação sobre “igualdade de gênero” que forçará a reestruturação de todo o sistema educacional sérvio, impondo linguagem neutra, “inclusividade” e medidas contra os pais que se opuserem à engenharia social progressista nas escolas.
Resta ver se Vucic de fato desafiará o Ocidente ou se ele se renderá completamente, copiando o armênio Nikol Pashinyan.