
Por Lorenzo Carrasco.
O nervosismo de representantes do sistema financeiro diante das medidas emergenciais adotadas pelo governo federal e pelo Congresso Nacional, para fazer frente à tragédia no Rio Grande do Sul, sugere um temor mal disfarçado de que elas possam ampliar a percepção da inviabilidade de reconstrução do estado (quiçá do país) com as “regras do jogo” monetárias e fiscais vigentes.
Só os cegos ideológicos não conseguem perceber que as três instâncias da federação brasileira se encontram manietadas por um sistema financeiro que há muito deixou de cumprir a sua função básica de apoiar os setores produtivos da economia. Da União à grande maioria dos municípios, todos estão enquadrados por draconianas restrições orçamentárias que os impedem de realizar obras de infraestrutura e atividades imprescindíveis para o Bem Comum e para proporcionar às próprias empresas privadas um ambiente de operações minimamente saudável e competitivo.
Aparentemente, para alguns, o Estado existe apenas para pouco mais que assegurar a perpetuação desse estado de coisas, inclusive, socorrendo o sistema financeiro dos seus próprios excessos, como na grande Crise de 2008 e, antes, no Brasil, por ocasião do famigerado PROER, que escancarou a porteira para a atual concentração bancária no país.
A dívida dos estados, dos quais a do RS é a terceira maior, é uma evidência desse processo. Renegociada em 1997 sobre um montante total de R$ 112 bilhões, os estados já pagaram mais de R$ 400 bilhões e seguem devendo R$ 591 bilhões. Apenas o Rio de Janeiro tem uma dívida de R$ 190 bilhões, contra uma receita líquida de R$ 88 bilhões em 2023. Que “capitalismo” é esse?
No caso do RS, salta aos olhos que a reconstrução exigirá não só uma abordagem diferente para as finanças públicas, mas também novos parâmetros de gestão territorial que reduzam os efeitos de futuros eventos meteorológicos extremos. Neles se incluem critérios de engenharia (já conhecidos) para aumentar a permeabilidade dos solos urbanos e, em alguns casos, rurais, normas mais rigorosas para reduzir a ocupação das áreas de risco, como as planícies de inundação dos rios, e outros, sem falar na necessária fiscalização quanto ao cumprimento desses requisitos.
É evidente que tudo isso cabe às instituições públicas de Estado, em consonância com as representações da cidadania.
Esses são apenas alguns dos ensinamentos que a tragédia no RS pode oferecer, não só aos gaúchos, mas também aos brasileiros em geral, algo que parece estar incomodando os adeptos dos “anarcocapitalismo” que vivem em realidades paralelas.