Ao nos depararmos com a corrente situação político, social, econômica, cultural do Brasil somos obrigados a nos questionarmos: Como é que viemos parar aqui?
Numa primeira análise, desprovida de paixões, podemos identificar inicialmente um fator dominante que veio numa onda crescente na última eleição: o antipetismo.
Tal fenômeno é explicado por atores da suposta “direita” nacional como uma reação natural aos desmandos dos governos ditos “comunistas” da suposta “esquerda”, que, na visão deles, abarca não só o PT, mas todos as presidências desde o fim do Regime Militar em 1985. Desmandos que se desdobrariam desde a corrupção endêmica em todas as esferas governamentais até o aparelhamento de estado, passando por uma vasta modificação cultural que feria mortalmente nossa moral e costumes familiares ocidentais baseados numa tradição “judaico cristã”. Sobretudo, tal modificação cultural seria planejada por uma conspiração “gramsciana” enorme com fim de dominação mundial que partiria de um grupo de atores globalistas multibilionários ligados ao bloco de países ditos “comunistas”, fazendo referência as ideias do pensador comunista italiano Antonio Gramsci, cujas ideias, na visão dessa “direita” estariam inspirando a “esquerda” em implantar o Comunismo por uma via não revolucionária.
O mesmo fenômeno é explicado pela suposta “esquerda” nacional como uma reação de ódio das elites nacionais e classe média, majoritariamente branca e reacionária, muitas vezes até erroneamente taxada de “fascista”, contra o enriquecimento de uma população pobre e negra proporcionado pelas “políticas petistas” de inclusão social. A nossa grave situação nasceria apenas de “recalque”.
Ambos convergem em um único ponto – o papel da mídia globalista na manipulação descarada sobre a forma de pensar da população sendo taxada de “comunista” pela “direita” e “fascista” pela “esquerda”.
Embora vários dos pontos das narrativas de ambos os lados estejam isoladamente corretos, jogar a culpa de nossa desgraça numa “conspiração mundial” ou mesmo ao “recalque” é, no mínimo, infantil.
Indo um pouco mais adiante em nossa análise, percebemos clara ligação entre o bolsonarismo e o antipetismo. Podemos dizer até que o bolsonarismo nasceu do antipetismo. Entretanto, o que notamos hoje com os desmandos do atual governo Bolsonaro durante o início da quarentena, o que resultou numa queda inicial vertiginosa de popularidade, tal reação não impactou no antipetismo. Ou seja, mesmo deixando de apoiar Bolsonaro, a maioria dos ex-bolsonaristas não deixou e nem deixará de ser antipetista. Aqueles que deixaram de acreditar no Bolsonaro ainda continuam acreditando na retórica liberal de Paulo Guedes, incluindo aqui também a maioria mais pobre da população. Retórica essa que culpa o tamanho do estado, e sua ativa interferência e ineficiência, pela miséria da população. Vemos aqui nascer o tal “pobre de direita”.
Vale ressaltar que a queda de popularidade mencionada acima foi rapidamente revertida pois foi controlada com a maestria tupiniquim de Jair ao bater de frente com seu ministro da fazenda, Paulo Guedes, contrariando o último e autorizando uma maior verba de auxílio durante o período de pandemia, e tentando emplacar uma lei de auxílio mais duradoura sem impactar em outras camadas humildes da população. Paulo Guedes, ao não conseguir reativar a economia, vem passando por momentos difíceis mais recentemente. Mesmo assim, não “larga o osso” e continua aproveitando as ondas de popularidade do presidente para continuar aplicando gradativamente suas pautas neoliberais que, sem sombra de dúvidas, deverão agravar a situação socioeconômica muito em breve.
Infelizmente, são muitos os reais fatores que jogaram nossa população na armadilha liberal, ou melhor, neoliberal. Por um lado, podemos citar a manipulação midiática incentivando ativamente o hedonismo capitalista que alimenta o individualismo egoísta em cada pessoa; o distanciamento das famílias causado pela exigência de termos ambos os pais trabalhando todo o tempo e obrigando crianças a serem terceirizadas e despejadas cada vez mais cedo em creches e em mãos de estranhos mal preparados em geral; o excesso de virtualização das relações sociais que se tornaram absolutamente superficiais, tudo isso culminando numa falha grave na empatia dos indivíduos. Vale ressaltar que a empatia é o que nos torna humanos, é o mecanismo catalisador que cria a liga dentro de nossa sociedade.
Por outro lado, percebemos também o descontentamento da população com relação ao Estado, que, além da evidente corrupção dos entes em todas as suas esferas, falha em suas funções mais básicas e é visto como um entrave dificultador das relações econômicas entre a população. Aqui podemos citar a burocratização excessiva, a cadeia de impostos regressivos que impactam toda a população mais humilde e atinge em cheio a classe média que, em geral precisa pagar dobrado pelos serviços mal servidos pelo governo; os que conseguem, pagam convênio, escola e moram em condomínios fechados compensando respectivamente a falha do estado em suprir as necessidades básicas nas áreas de saúde, educação e segurança. Para o cidadão comum, fica evidente que o nosso Estado é um fator fortemente negativo para o nosso desenvolvimento como nação.
Levando-se em conta a percepção acima, numa análise mais simplória da situação, qual seria a solução?
Obviamente, se algo está causando problema, a solução mais fácil é nos livrarmos de tal problema ao simplesmente nos livrarmos do Estado como um todo. E por que não? Acabam-se os impostos, a corrupção, os desmandos e ficamos todos livres para vivermos uma vida de paz e prosperidade. Obviamente, tal solução simplória talvez funcione nos contos de fada, na vida real o buraco é bem mais fundo.
Na decorrer da história da civilização, o Estado surge para organizar e equilibrar as forças e tensões da sociedade de forma a concentrar os esforços necessários e permitir um maior desenvolvimento e progresso ao distribuir melhor os recursos e frear os abusos de determinados indivíduos e classes sobre outros indivíduos e classes. Sem o Estado, ainda estaríamos vivendo em feudos na idade média. De fato, podemos testemunhar a ausência de estado diante de nossos próprios olhos – onde falta o Estado, criam-se aglomerados sociais análogos aos feudos. Favelas são, em sua essência, feudos modernos dominados pelo poder alternativo que nasce do dinheiro do tráfico. Já nas classes mais abastadas, podemos ver estruturas de construções quasi-feudais nos condomínios construídos basicamente para separar determinada população mais rica da população mais pobre. Estruturas basicamente análogas às pequenas cidades europeias da idade média limitadas por grandes muralhas a fim de se proteger de ataques bárbaros ou mesmo de reinos desafetos. Ou seja, o fenômeno que causa essa “feudalização” é exatamente a falta de estado contrariando de forma diametralmente oposta as alegações dos pseudo liberais.
Infelizmente, nas atuais circunstâncias, aqueles que se alinham pela defesa do Estado são jogados na vala comum junto a “comunistas” da carochinha.
O que a maioria não percebe é que o Estado foi dominado e é subjugado à vontade e aos desmandos de poucos. Independentemente do viés ideológico dos governos vigentes das últimas décadas, o NEOLIBERALISMO é uma constante. Hoje o Estado é um agente neoliberal para acumulação de benefícios e riquezas nas mão de poucos agentes com função geopolítica estratégica dominada pelo capital financeiro internacional. Tais agentes estão distribuídos em todas as esferas governamentais e, direta ou indiretamente, trabalham para perpetuar essa condição nefasta.
Aos que acreditam que os neoliberais querem diminuir o estado, sinto lhes trazer a infeliz notícia, tais agentes neoliberais querem sim um estado, só que para si mesmos.
Lembrei da frase do Bautista Vidal: não existe Estado Mínimo, existe Estado Necessário. Como bom nacionalista, luto por um estado soberano e justo, livre de tais agentes neoliberais, reestruturado em todas as suas esferas de forma a exercer sua função primordial na distribuição de riquezas e recursos nas mãos de toda a sua população a fim de obter prosperidade e desenvolvimento duradouros. Torço para que haja um caminho suave para colocarmos em prática esse “Novo Estado”, caminho esse que não passe por uma revolução abrupta. Infelizmente, tal situação não depende só de torcida, algo como uma ruptura institucional pode surgir devido à um colapso social, principalmente se as políticas econômicas de Paulo Guedes, baseadas em privatizações e entrega do patrimônio público ao capital estrangeiro, forem levadas a cabo.
Certamente não será uma tarefa fácil para nós nacionalistas desmistificarmos a narrativa liberal sobre a necessidade de se “diminuir o Estado”. Há um longo e árduo caminho pela frente.
Por Fernando Calzzani
Muito bom esse texto, parabéns, calzzani, gostaria que voltasse aos fatos históricos de 1982 até os dias atuais, só para refrescar a memória dos velhos e orientar essa juventude que se encontra perdida, no mato sem cachorro. Beijos
Parabéns pelo texto. Sou professor de história e o que sinto de alguns anos para ca que o que aprendi nao serve para o Brasil. Quando conheci (e ainda estou conhecendo): Darcy Ribeiro, Guerreiro Ramos, Rui Mauro Marini, Alvaro Vieira Pinto, Vania Bambirra, Andre Gunder Frank, Teotônio dos Santos. Ai percebi que a história estudada nos cursos de história nao é Historia e a historia colonizada. Parabéns e continuem ns luta!!!! Adsumus!!!!