
A “diplomacia” brasileira, conduzida pelo Ministro Ernesto Araújo, talvez tenha ido longe demais. Esta é a impressão que nos dá, pelo fato da reação adversa do Congresso – tanto na Câmara como no Senado -, à reunião inoportuna entre o Secretário de Estado Mike Pompeo e o Ministro das Relações Exteriores. O encontro ocorreu em Boa Vista (Roraima) no dia 18/09, durante visita às instalações da instalações da Operação Acolhida. Rodrigo Maia qualificou a iniciativa de afronta às tradições diplomáticas brasileiras. O Senado convocou Araújo a dar explicações e, em caso de recusa, ameaçou segurar nomeações de embaixadores que tomariam posse ainda este ano. Entretanto, já nesta segunda-feira (21/09) o Senado confirmou as nomeações.
Na verdade, quem puxou a reação no Senado foi Telmário Mota (PROS-RR). Cabe lembrar aos desavisados que Roraima é dependente da Venezuela no comércio e no fornecimento de energia, e qualquer crise humanitária no país vizinho respinga diretamente em seu território. Em uma situação como esta, o Governo Federal pode muito bem mandar um “se virem nos trinta” a Roraima, não assumindo para si a responsabilidade pelos efeitos locais que a política de subserviência aos EUA possa causar aos roraimenses.
Em defesa própria, Araújo reagiu soltando uma nota com base no art. 4º, inciso II da Constituição Federal. De acordo com a norma, o Brasil se orienta nas relações internacionais pela “prevalência dos direitos humanos”, e argumenta dizendo que a Venezuela teria sido denunciada na ONU por “violações de direitos humanos” e “crimes de lesa humanidade”, e por perseguição a opositores políticos. Aqui, os relatórios da ONU parecem ser soberanos…
Ora, aqui fica desnudada toda a hipocrisia do chanceler ligado à rede aloprada de seguidores de Olavo de Carvalho. Ao mesmo tempo em que denuncia a ONU como “instrumento do globalismo”, não hesita em se apoiar naquela instituição – sediada em Nova York – para justificar outras violações aos princípios de direito internacional. Exatamente os mesmos expressos no referido art. 4º da carta magna: independência nacional (I), a autodeterminação dos povos (III), a não intervenção (IV), a igualdade entre os Estados (V), a defesa da paz (VI) e a solução pacífica dos conflitos (VII).
Se o Brasil realmente deseja mediar o conflito político na Venezuela, a maneira mais apropriada não seria ficar a reboque de um figurão do deep state como Pompeo, mas trabalhar de maneira autônoma para alcançar objetivos que sejam os melhores para nós e para os países vizinhos. Definitivamente, a saída não seria adotar o método norte-americano, caracterizado pelo uso de bombardeios e ataques com drones militares. Até porque, de maneira objetiva, os tradicionais ataques sempre foram responsáveis por gerar crises humanitárias bem distantes das fronteiras geográficas da América do Norte.
Araújo nem mesmo parece lembrar – ou intencionalmente finge se esquecer – do que determina o parágrafo único daquele mesmo artigo:
A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.
Certamente, o chanceler e seu guru devem considerar o texto constitucional acintoso, uma concessão desmedida ao “bolivarianismo”. Sem dúvidas, gostariam de tê-lo apagado da Constituição. Seguem a Doutrina Monroe*, e recusam-se a desenvolver um pensamento estratégico para a América do Sul, formulado por nós brasileiros, contemplando nosso interesse nacional e também dos países irmãos ao nosso entorno.
Não queremos Doutrina Monroe, tampouco o Foro de São Paulo. Queremos um continente integrado em sua infraestrutura, para que o Brasil tenha acesso direto ao Pacífico e ao Caribe. Queremos exercer nossa liderança internacional, como expressão natural de nossa grandeza – o que será impossível com um governo subserviente aos países do norte.
*A Doutrina Monroe, formulada há duzentos anos pelo então Presidente dos EUA James Monroe, estipulava que países europeus não podiam interferir nos países americanos, que alcançavam sua independência na época. De fato, tornou-se um instrumento de intervenção dos EUA nos países latino-americanos, totalmente ignorado durante a Guerra das Malvinas (1982), quando o Reino Unido lançou cá seus porta-aviões, caças e submarinos contra a Argentina.