A tecnologia nuclear tem sido utilizada em vários setores, desde o seu advento. Com as primeiras explosões de artefatos nucleares, a partir do Projeto Manhattan, e, sobretudo, com as explosões de Hiroshima e Nagasaki, a tecnologia nuclear tornou-se extremamente estratégica como arma de dissuasão militar.
Do período que vai daí até meados dos anos 1960, estabeleceu-se um monopólio legal das armas nucleares nas mãos das potências que compõem os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU: Estados Unidos, União Soviética, França, Reino Unido e República Popular da China. Países como Índia, Paquistão, Israel e Coreia do Norte furaram esse bloqueio imposto por esse G5, com maiores ou menores consequências. Esse monopólio é exercido pela imposição de normas, no que se chama de regime de não proliferação, ao qual é exercida pressão para que os demais países passem a integrá-lo.
O Brasil buscou desde 1950 desenvolver sua indústria nuclear, com o objetivo de obter o controle sobre o ciclo do enriquecimento de urânio. Dominando esta técnica, o Brasil poderia utilizar a tecnologia nuclear com fins bélicos. O que, evidentemente, alarmou os países detentores de armas nucleares, sobretudo os Estados Unidos. Essa é uma das razões pela qual o Programa Nuclear Autônomo – ou Programa Nuclear Paralelo – foi abandonado no final da década de 1980. Admite-se, desde então, apenas o uso da tecnologia nuclear apenas para uso civil, ou como combustível para os submarinos nucleares.
O Programa Nuclear Brasileiro nasce sob o patrono do Almirante Álvaro Alberto de Mota e Silva (1889 – 1976). Carioca, Álvaro Alberto envolveu-se ainda jovem na Revolta da Chibata (1910) e em 1916 tornou-se professor de Química e Explosivos na Escola Naval. Aprimorando os currículos e ementas dos cursos na Escola Naval, passa a incluir, em 1939, a Física Nuclear como matéria de estudo. Passa a idealizar uma instituição de Estado para incrementar, amparar e coordenar a pesquisa científica nacional.
Álvaro Alberto foi nomeado representante brasileiro na Comissão de Energia Atômica (CEA) do Conselho de Segurança da ONU, em 1946. Opôs-se a Plano Baruch dos EUA de controlar, dentre outras medidas, as reservas mundiais de tório e urânio, sob controle de uma organização internacional que exerceria o monopólio da mineração dessas substâncias. Tal proposta não foi adiante também por oposição da União Soviética, que não aceitou seus termos.
O Plano Baruch, ainda que não tenha sido implementado, foi a primeira iniciativa das potências nucleares de controle da energia nuclear por organizações internacionais vinculadas à ONU. No jargão do Direito Internacional é o que se define como “regimes de não proliferação”. O plano recebeu este nome por ter sido encabeçado por Bernard Baruch, o financista estadunidense nomeado pelo então presidente Harry Truman como representante dos EUA na CEA.
Desde o final da década de 1940, o Brasil já exportava areias monazíticas para os EUA, matéria prima para indústria nuclear. Deste tipo de areia, pode-se extrair tório e urânio. Álvaro Alberto propôs aos EUA o Princípio das Compensações Específicas: o Brasil só se engajaria na transação comercial de minerais para serem utilizados na atividade nuclear, denominados por ele de “minerais estratégicos”, pelo comércio envolvendo não o pagamento em dólares, mas a transferência de tecnologia nuclear.
O excelso almirante fez o juízo correto: de nada adiantava o “papel pintado” do FED, o Banco Central dos EUA, já que este escorria pelos desequilíbrios no balanço de pagamentos do Brasil. Se o país produz matéria prima para a indústria nuclear, nada mais justo que se absorva tecnologia para a indústria nuclear, o que estava de acordo com a linha da Comissão da ONU para América Latina (CEPAL), que defendia a industrialização dos países latino-americanos por substituição de importações.
Diante da resistência das autoridades estadunidenses em aceitar os termos, partiu em missão à Alemanha Federal no biênio de 1953/54, onde conseguiu, por meio de contatos que já desenvolvia com físicos alemães, três ultracentrifugadoras a serem enviadas para cá pelo preço de US$ 80 mil, em transação feita pelo Banco Germânico para a América do Sul.
Contudo, antes de serem enviados ao Brasil, os equipamentos foram apreendidos por autoridades estadunidenses, em ação coordenada pelo Alto Comissariado do Pós-Guerra, ainda operante na Alemanha Federal. As ultracentrifugadoras usavam urânio como matéria prima e ficaram retidas em Hamburgo por dois anos, sendo posteriormente enviadas ao Brasil, mas só se tornado operacionais só no início da década de 1970.
No segundo governo Vargas (1951-54), o Brasil passa adotar uma linha mais nacionalista do que o anterior Governo Dutra. Assim, a ideia de uma instituição de coordenação da pesquisa científica nacional se torna efetiva em ainda 1951, com a Criação do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq). Na condição de presidente do CNPq é que o almirante viaja a Europa na sua missão de adquirir tecnologia nuclear. Antes da missão na Alemanha, Álvaro Alberto teve frustrada sua tentativa de adquirir um cíclotron da General Electric.
O cíclotron é um equipamento utilizado na indústria nuclear, atualmente em várias áreas, que funciona como um acelerador de partículas subatômicas. O primeiro equipamento do tipo a ser instalado no Brasil só aconteceu em 1974, quando o programa nuclear já estava mais avançado, na época dos governos militares.
Durante o biênio 1954/55, em meio à crise política do fim do Segundo Governo Vargas e do breve Governo Café Filho, o Brasil estabeleceu dois acordos comerciais com os EUA de comércio tório por trigo. Reverte-se a política nacionalista de apoio a industrialização com bases nacionais. Em 1956, uma Comissão Parlamentar de Inquérito relatou que minérios teriam sido ilegalmente exportados para os EUA, e que o chefe do gabinete militar de Café Filho, Juarez Távora, inimigo de Vargas, teria favorecido os parceiros do norte.
Diante dessa mudança de orientação, causada por pressões externas, Álvaro Alberto demite-se da presidência do CNPq e afasta-se do protagonismo na condução do programa nuclear. Posteriormente, o presidente General Médici nomeou a Central Nuclear de Angra dos Reis, que hoje contém as usinas, como Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, em reconhecimento ao importante papel que realizou no campo.
O Governo Juscelino Kubitschek assume em 1956 e cria a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), no mesmo ano, e nomeia o Almirante Otacílio Cunha como presidente. O CNEN passa a supervisionar toda a política nuclear brasileira. Existente até hoje, o CNEN é atualmente uma autarquia vinculada ao controle finalístico do Ministério de Ciência e Tecnologia, sediada no Rio de Janeiro.
Por outro lado, os EUA “afrouxaram” um pouco a rigidez de sua política de não proliferação nuclear, ensejando a criação, em 1957, da Agência Internacional da Energia Atômica (AIEA), insuflada pelo Programa Átomos Para a Paz (Atoms for peace) do Presidente D. Eisenhower. A AIEA é o órgão da ONU responsável pelo controle da energia nuclear, condicionando aos países o uso da energia nuclear à geração de energia. Cabe lembrar que na época de sua criação, além dos EUA, a União Soviética e o Reino Unido já produziam armas atômicas, e a França estava em vias de conseguir.
A criação da AIEA é o que os autores da área definem como outro marco do regime de tecnologia nuclear e não proliferação. Possuía dois aspectos principais: não enquadrava os países que já tinham artefatos nucleares, mas sim os países que não os tinham, mas aos quais era dada a oportunidade de desenvolver o “uso pacífico da energia”. Ainda que, na prática, até isto era dificultado – e ainda é – pelas normas e procedimentos de AIEA, que incluem inspeção de instalações por pessoal da agência, dentre outras medidas.
Sem violar as regras impostas pela AIEA, o Instituto de Energia Atômica da Universidade de São Paulo pode adquirir o reator IEA-R1 e o Instituto de Pesquisas Radioativas da UFMG (IPR/UFMG) o TRIGA-Mark, adaptados, ambos, de reatores usados anteriormente nos EUA, produzidos pela General Electric.
O IPR/UFMG, seguindo em sua linha de pesquisa, criou três projetos de pesquisa na área: o Grupo do Tório em 1965, desenvolvendo o Projeto Instinto, usando urânio enriquecido e tório, o Projeto Toruna, de urânio natural e água pesada, e o Projeto Pluto, de plutônio tório, até ser extinto em 1973, devido a escolha brasileira de comprar tecnologia estadunidense para a primeira central nuclear nacional.
Assim, o Brasil chegou na década de 1960 com um programa nuclear muito limitado, que avançava a passos lentos, a despeito das iniciativas do Almirante Álvaro Alberto.