Um dos maiores defensores da educação popular como grande meio capaz de libertar a sociedade brasileira, médico, psicólogo, pedagogo, sociólogo, historiador e intelectual, este é Manoel Bomfim (1868 – 1932).
Considerado “adiantado” em seu tempo, injustamente, devido a noção daqueles que não admitiam as teorias baseadas na análise histórico-social latino-americana apresentada por Bomfim em seus trabalhos, como ponto elemental no entendimento dos problemas nacionais, o qual não admitia as teorias racistas apresentadas por seus contemporâneos, os quais defendiam um branqueamento da população. Suas palavras são diretas:
“Vale discutir (…) a célebre teoria das raças inferiores. Que vem a ser esta teoria? Como nasceu ela? A resposta a estas questões nos dirá que tal teoria não passa de um sofisma abjeto do egoísmo humano, hipocritamente mascarado pela ciência barata, e covardemente aplicado à exploração dos fracos pelos fortes”.
A obra que pode ser considerada mais importante do autor para entendimento do pensamento social brasileiro é América Latina: males de origem (1905). Entre outras, escreveu também O Brasil na América (1929), O Brasil na História (1930) e Cultura e educação do povo brasileiro (1931).
Evidentemente por sua crítica forte às políticas e direcionamentos conservadores das elites do país, e por tomar partido das classes populares, Bomfim foi apagado da história por mais de meio século, tendo sido “resgatado” recentemente (1980) por Darcy Ribeiro, que afirma: trata-se do “mais original pensador brasileiro que geramos, o grande intérprete da formação do povo brasileiro”.
Darcy também destaca o porquê do desconhecimento do autor:
“Teve predecessores, é certo, que cita copiosamente, dos quais se quis fazer herdeiro e continuador. Não teve foi sucessores, porque jamais existiu, de fato, na bibliografia brasileira. A culpa não é de Bomfim, é nossa. Não porque ele fosse adiantado demais, mas sim porque nossos pensadores são servis demais. Entre nós, a cultura não constrói, como em toda parte, pela superposição de tijolos nas paredes de um edifício que se levante coletivamente. Aqui, cada pedreiro está olhando para a casa alheia e só deseja contribuir com seu grão de areia exemplificativo ou seu tijolinho de lisonjas ao pensador estrangeiro que mais o embasbaca”.
O “parasitismo europeu“ para o autor, é a causa real de nossas mazelas, onde se praticava uma política insensata para nós, mas racionalíssima para eles. Relativo à criticada atitude da época em contra a mestiçagem e a aceitação das diversas raças, Bomfim é enfático. Neste trecho, relativo a isto, ironiza também os preconceitos quanto à pretensa crueldade dos Índios. A respeito, suas palavras são tão significativas que são reproduzidas em longa citação:
“São cruéis os Índios? Ainda que eles quisessem não chegariam nunca às sublimidades da crueza com que os brancos – as gentes da Europa civilizada – têm horrorizado o mundo. Não há nos feitos da crueza indígena nada comparável às atrocidades dos espanhóis em Cuba e na própria Espanha, nas masmorras da inquisição ou nos cubículos onde apodrecem os anarquistas. Nada comparável ao proceder dos ingleses em Cartum, e mesmo nas Índias; ou dos americanos nas Filipinas, ou dos portugueses nas Índias, dos alemães na África, na Polônia e na China; ou dos franceses do Senegal, dos russos na Sibéria (…) Foram os índios que inventaram o matar quatro mil prisioneiros à baioneta a fim de poupar pólvora? Vazar 30 litros de água de sabão, à força, no estômago de um indivíduo, até que sem forma, tumefacto, o líquido se filtre por toda a superfície do corpo? (…) Cortar os narizes e as mãos a quatrocentos prisioneiros, cujo crime é ter riquezas que foram pelos algozes roubadas? (…) Assar as gentes por partes, um membro cada dia? Pobres indígenas! Falta-lhes a cultura da inteligência, a riqueza da imaginação para achar os requintes de atrocidades que os europeus sabem inventar. (América Latina, pp. 276 e 277)”.
Por Ivan KBS
Publicado no site Pensamento Social Brasileiro e Administração em 16.12.2015
Referências:
FILHO, A. A.. Manoel Bomfim, combate ao racismo, educação popular e democracia radical. In: Viva o povo brasileiro. Editora Expressão Popular, 2008.