
O Regime Militar, que se estabeleceu em 1964, ascendeu ao poder com o projeto de Brasil Potência, sobretudo com a chegada de Costa e Silva à presidência de 1967. O aprofundamento da industrialização demandava aumento da capacidade do país na geração de energia. A projeção de poder implícita no projeto de Brasil Potência acarretava que o país não desistiria de ter a capacidade de aplicar a tecnologia nuclear ao campo militar, tanto no desenvolvimento de submarinos nucleares como de artefatos bélicos usando esta tecnologia.
O Governo Castelo Branco estabeleceu acordos envolvendo cooperação em tecnologia nuclear com os EUA, Suíça e Bolívia. Em 1966, a USP criou o Centro de Energia Nuclear para a Agricultura. No ano seguinte, é criado o Grupo de Trabalho Especial no Ministério de Minas e Energia para a construção da primeira usina nuclear, composta por pessoal do CNEN, Eletrobrás e Furnas.
Ainda em 1967, Costa e Silva determinou que o Ministério de Minas e Energia e o Conselho Nacional de Energia Nuclear (CNEN) elaborasse um programa de produção comercial de eletricidade, com base na energia do átomo, que veio, posteriormente, a resultar na Central Nuclear Álvaro Alberto de Angra dos Reis, em homenagem ao almirante pioneiro na pesquisa e desenvolvimento da tecnologia nuclear no Brasil.
Disse na ocasião: “O Governo brasileiro se reservará o direito de total exclusividade, quanto à instalação e operação de reatores nucleares, bem como às operações de pesquisa, lavra, industrialização e comercialização de minerais e minérios nucleares, materiais férteis, materiais físseis e materiais físseis especiais. Criará condições para a formação, no País e no exterior, do pessoal técnico-científico, especializado no campo da energia nuclear, de níveis médio e superior, na quantidade e nos prazos necessários à pesquisa científica, que será intensificada no território nacional”.
Tal diretriz chocava-se ao estágio, na época, do regime de não proliferação nuclear, estabelecido pelas potências mundiais, pela ONU. A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) já tinha sido estabelecida dez anos antes, e, em 1968, é proposto o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP). Por este acordo, foi aprovado na Assembleia Geral da ONU, com o voto de mais de cem países, e com a resolução aprovada no Conselho de Segurança com o voto de 10 países e cinco abstenções.
O TNP passou a dividir os países em duas categorias, com obrigações mútuas: os países possuidores de artefatos nucleares explosivos (EUA, União Soviética, Reino Unido, França e China Popular) comprometiam-se a não transferir armas ou tecnologia para produção de armas nucleares, enquanto que os não possuidores, ou seja, os demais países, colocavam seus programas nucleares, orientados para a geração de energia, sob as salvaguardas da AIEA. Esta teria poder de inspeção nas instalações nucleares dos não possuidores, para checar se os respectivos programas estariam em conformidade com as normas internacionais do regime de não proliferação.
O Brasil, na época, compôs um grupo de países que se recusaram a assinar o TNP, na companhia de Índia, Paquistão, Israel e África do Sul. Deste grupo de países, só o Brasil e a África do Sul não desenvolveram armas nucleares. O Brasil só assinou o TNP, em 1998, durante o governo Fernando Henrique Cardoso.
Não obstante, o Brasil assinou um acordo de salvaguardas com os EUA e a AIEA em 1967, em que o país do norte dava aval ao programa nuclear brasileiro. Na época, as relações Brasil-EUA ainda eram bem amistosas. O Acordo de Salvaguardas permitiu que o governo brasileiro negociar com a Westinghouse, em 1972, a compra de reatores de água pressurizada, para o Central Nuclear Álvaro Alberto da usina Angra 1.

Pelo acordo com essa empresa estadunidense, o Brasil receberia 500 toneladas de urânio enriquecido em um período de 30 anos, mas cedendo aos EUA os direitos de examinar o projeto de qualquer reator; de examinar outros equipamentos e artefatos cujo projeto tenham, ao juízo da comissão regulatória americana, relevância para aplicação de salvaguardas; e de designar o pessoal que “terá acesso à República Federativa do Brasil a todas as instalações e a todos os dados necessários para o inventário de material fértil e do material nuclear.”
Em meio as dificuldades que o acordo nuclear com os EUA implicava, o Brasil seguia com sua política nuclear. Em 1971, foi criada a Companhia Brasileira de Tecnologia Nuclear, vinculada ao Conselho Nacional de Energia Nuclear (CNEN), com a finalidade de realizar pesquisa e lavra de jazidas de minérios nucleares, promover o desenvolvimento da tecnologia nuclear para o tratamento de minérios e produção de combustível, além de instalar usina de enriquecimento de urânio e componentes para reatores. No ano seguinte, começavam as obras para Angra 1.
O acordo nuclear com os EUA nos colocava numa relação de dependência forte com eles, além das restrições que eram feitas a atividade de empresas estadunidenses na produção e fornecimento de material nuclear em cooperação com empresas de outros países, fora de seu território. Assim, aproveitando-se da aproximação que já datava dos anos 1950 com a Alemanha Federal, na cooperação nuclear, o Brasil, sob a presidência de Ernesto Geisel tomou um gesto ousado de realizar um acordo nuclear com aquele país, concluído em 1975.
O acordo com a Alemanha deve ser entendido à luz da aproximação do Brasil com este país desde os anos 1950, nos primeiros termos de cooperação entre os dois países, tendo em vista a importação já mencionada das primeiras centrífugas, que ficaram retidas, sob ordens estadunidenses, em Hamburgo. Em paralelo, capitais alemães passaram a entrar aqui de forma significativa desde, pelo menos, o Governo JK, quando a Volskwagen foi a primeira montadora a instalar plantas industriais de produção de automóveis durante o Plano de Metas do então governo.

Para executar o Acordo Nuclear, o Governo Geisel criou a Nuclebrás, uma empresa estatal responsável pelo uso civil da energia nuclear no país. Para tal, nomeou o diplomata de carreira Paulo Nogueira Batista na presidência da presença. Assim, o acordo foi assinado em 27/6/1975 tendo a Nuclebrás e a Kraftwerk Union, controlada pela Siemens, responsáveis pela execução do acordo.
Pelo acordo, a Alemanha Federal se comprometeu a exportar até oito reatores nucleares em um período de quinze anos e a transferir tecnologia nuclear, envolvendo a construção de uma indústria instalada no Brasil para enriquecer urânio, utilizando-se da tecnologia de jet-noozle, e produzir combustível nuclear. O Brasil se comprometia a exportar urânio. Assim sendo, começaram as obras para a Angra 2, já no ano seguinte.
O que entendemos pelo Acordo Nuclear pode ser destrinchado, mais propriamente, em três níveis: (1) o Acordo de Cooperação no Campo dos Usos Pacíficos da Energia Nuclear, assinado pelos ministros das Relações Exteriores de ambos os países e aprovado pelo Congresso Nacional; (2) o Protocolo de Instrumentos sobre a Implantação do Acordo de Cooperação no Campo dos Usos Pacíficos da Energia Nuclear, assinado pelo ministro de Minas e Energia do Brasil e pelo Ministério de Pesquisa e Tecnologia da Alemanha Ocidental, que permitia o estabelecimento dos contratos entre a Nuclebrás e as indústrias alemãs de tecnologia nuclear (destacando-se a KWU) para a formação de empresas subsidiárias da Nuclebrás, sob a forma de joint-ventures; (3) os contratos estabelecidos entre as empresas subsidiárias para a transferência de equipamentos e tecnologias para a construção das centrais nucleares e para a execução do Programa Nuclear Brasileiro.
Pelo Artigo 2º do Acordo, ambas as partes se declaram partidárias da não proliferação das armas nucleares. Pelo Artigo 3º, o Brasil se comprometia a concluir um acordo de salvaguardas com a AIEA, assegurando de que materiais, equipamentos e instalações nucleares e o material fértil e físsil especial nelas produzido, processado ou utilizado, bem como as respectivas informações tecnológicas, não fossem utilizadas para a produção de armas ou outros explosivos nucleares. Pelo Artigo 4º, materiais, equipamentos e instalações nucleares sensitivos, assim como as respectivas informações tecnológicas, transportadas ou transferidas do território de um país contratante para o território da outra parte, só poderiam ser exportadas, reexportadas ou transmitidas para terceiros países com o consentimento da parte contratante fornecedora (Alemanha Federal).
Para executar os termos do Acordo, a Nuclebrás se encarregou de criar algumas joint-ventures com a KWU para atuar na cadeia da indústria nuclear no Brasil. Bancos alemães atuaram no financiamento das operações, que incluíam acordos com a Furnas S.A., tendo em vista a construção das usinas Angra 2 e 3.
A assinatura do Acordo deu-se em um cenário internacional de intensa pressão dos EUA, tendo em vista que a Índia concluiu em 1974 sua primeira explosão atômica, sendo o primeiro país fora dos Cinco Membros Permanentes do Conselho de Segurança da ONU ao fazê-lo. Como resposta à atitude indiana, esses mesmos países colaboraram para a criação do Nuclear Suppliers Group (NSG, Grupo de Fornecedores Nucleares, em português), organismo criado a partir de reuniões em Londres ocorridas entre 1975 e 1978.
O NSG organizou um acordo que estipulava salvaguardas para exportação de determinados artefatos usados na indústria nuclear, de países que já possuíam esta tecnologia para aqueles que não a possuíam. Como foi concomitante ao Acordo BR-ALE, instrumentos desse acordo da NSG entraram no acordo bilateral, considerando-se a pressão dos EUA.
Assim sendo, foi assinado em março de 1976 o Acordo Tripartite Brasil-Alemanha Ocidental – AIEA, que estipulou as salvaguardas e limitou os termos da cooperação do acordo. Dentre as principais restrições impostas, destacam-se as limitações no enriquecimento do urânio, no reprocessamento e na exclusão de tecnologia que envolvia o UF6 (Hexafluoreto de Urânio), composto que despertou interesse dos desenvolvedores do programa nuclear brasileiro.
Há uma lógica subjacente ao programa nuclear brasileiro: as restrições impostas por outros países, sob liderança dos EUA, colocam restrições ao desenvolvimento, de modo que os formuladores precisam criar alternativas a essas restrições. Em um passo mais ousado, em que os termos do Acordo com a Alemanha ensejavam empecilhos, o Brasil buscou uma resposta pelo chamado Programa Nuclear Autônomo ou Paralelo, desenvolvido sem a assistência direta ou dos EUA ou da Alemanha, em um momento em que o país já possuía as condições para alçar voo próprio na área, valendo-se da infraestrutura criada pelo Estado nacional.

O fato é que o governo dos EUA jamais aceitou os termos do Acordo Brasil Alemanha, apesar de todas as salvaguardas. No contexto do final dos anos 1970, o governo democrata de Jimmy Carter propunha as seguintes medidas para o programa brasileiro: participação estadunidense no Acordo e no processo de transferência de tecnologia do enriquecimento e reprocessamento de urânio; construção de usina de reprocessamento construída num país neutro, do continente latino americano, e submetida ao controle internacional; se a usina fosse construída no Brasil teria que ser submetida aos controles complementares do sistema da AIEA; e, por último, propunham a formação de um cartel internacional de empresas construtoras e vendedoras de tecnologia nuclear, proporcionando uma margem de lucro ao setor, de forma que pudesse dispensar os acordos de exportação desta tecnologia aos países em desenvolvimento.
Além disso, também ameaçou o Brasil e a Alemanha com sanções, com barreiras alfandegárias e bloqueios de itens de exportação para os dois países, acesso ao mercado financeiro etc. Tomava tal postura dura ao mesmo tempo em que defendia uma agenda de paz e da defesa dos Direitos Humanos, o que colocou os governos Geisel e Carter em rota de colisão.
Referências:
FGV CPDOC. “Acordo Nuclear com a Alemanha”. https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/FatosImagens/AcordoNuclear
GARCIA, Eugênio Vargas. “Questões estratégicas e de segurança internacional: a marca do tempo e a força histórica da mudança”. Revista Brasileira de Política Internacional, setembro de 1998.
SARAIVA, Geraldo José de Pontes. “Energia Nuclear no Brasil: fatores internos e pressões externas”. Caderno de Estudos Estratégicos, agosto de 2007.