
O Senado Federal aprovou na noite do dia 3/11 o Projeto de Lei Complementar que dá autonomia ao presidente e diretores do Banco Central, com boa margem: 56 votos a favor, 12 contra. Pelo que foi aprovado, o próximo presidente eleito não vai poder escolher, logo no início do mandato, seu presidente do Banco, nem seus diretores. Os cargos mais altos dessa autarquia ganharão um status superior mesmo ao do Ministro da Fazenda, intocáveis, com perfil meramente “técnico”.
Tratou-se de uma noite atípica: de um lado, muitos olhos voltados para a eleição nos Estados Unidos, no frisson para saber qual será o próximo mandatário naquele país, por mais quatro anos; de outro, o assunto que roubou a pauta foi a absolvição de um réu, acusado de estupro por uma jovem em Santa Catarina, com base em um argumento esdrúxulo de “estupro culposo”. A origem da denúncia seria uma matéria do site Intercept denunciando a aberração jurídica.
Segundo a matéria do Intercept, o promotor do caso teria pedido a absolvição do réu por ter cometido “estupro culposo”, já que, na argumentação dele, o réu não teria como saber se a jovem abusada estava ou não consciente, livre do efeito de drogas ou outras substâncias que a tornassem incapaz de responder sobre seus atos. Na sentença de absolvição, o juiz do caso baseia sua sentença no pedido do promotor de que não ficou provado o dolo do réu, tendo em vista que a jovem não aparentava sinais de embriaguez ou perda dos sentidos e nos resultados negativos dos exames toxicológicos. A vítima seria uma promoter da casa, enquanto o réu um empresário influente.
No entanto, não cabe aqui entrar no mérito da questão, se o réu é culpado ou não – e se a jovem quiser recorrer da decisão, tem todo o direito de fazê-lo. O fato é que a sentença data de setembro, sendo publicada logo no mesmo dia em que era votada a autonomia do Banco Central. Os editores do site sabem muito bem que um assunto como esse, explorado como foi, mobilizaria as redes sociais no dia, tornando-se trending topic no Twitter, Facebook etc.
Mas que não se lembra da bombástica série “Vaza Jato” do mesmo Intercept, há mais de um ano? O vazamento de conversas privadas entre o então Ministro da Justiça Sérgio Moro e os procuradores da Lava Jato, que iria derrubar o governo Bolsonaro, mas que, no final das contas, nem um arranhão causou na imagem do governo, já que o próprio Bolsonaro tratou de se livrar de Moro, um estranho no ninho de seu governo por livre vontade.
Para quem não se lembra: as matérias do Intercept sobre a “Vaza Jato” foram publicadas no momento em que uma série de manifestações contra o Governo e contra a Reforma da Previdência ganhavam vulto, galvanizando a oposição. Uma vez publicada a série, a oposição tornou-se tiete do Intercept e de Glenn Greenwald, o autor da série, enquanto o governo e os presidentes da Câmara e do Senado tocaram uma (de)forma da previdência ainda pior do que a apresentada por Michel Temer, dois anos antes.
Da mesma forma, todas as redes sociais dos nossos luminares da oposição brasileira correram para circular hashtags e condenações com base na matéria do Intercept do dia 3/11, que distorce os argumentos apresentados na sentença do juiz, aproveitando-se da mobilização da opinião pública a partir do Caso Robinho – que foi condenado por estupro na Itália. O que parecem esquecer é que ex-estrela do Intercept, Greenwald, teve uma matéria supostamente censurada pelo veículo e abandonou a equipe. O tema do texto censurado seriam os vazamentos de dados de um laptop de Hunter Biden, o filho do presidenciável estadunidense, que comprometem ambos.
A mesma oposição, que se diz contra a autonomia do Banco Central, não mobilizou as bases contra o projeto, talvez com a exceção de Ciro Gomes e Roberto Requião, que gravaram vídeos a respeito. Dá a nós a impressão que se não fosse a matéria do “estupro culposo”, arrumariam outro tema para desviar do assunto, preferindo outras pautas que são colocadas para ela, oposição, comentar.
Quanto ao projeto de autonomia do Banco Central? Ele caminha para a Câmara, quem sabe podendo ser piorado por lá, antes de voltar ao Senado.