A morte do soldador João Alberto Silveira Freitas nas dependências de um supermercado Carrefour em Porto Alegre, por asfixia, cometido por dois seguranças da loja, é só mais um capítulo do show de horrores que vem cercando a rede francesa há alguns anos.
Em 2009, seguranças agrediram o vigia e técnico em eletrônica Januário Alves de Santana, de 39 anos, no estacionamento de uma unidade em Osasco. Ele teria sido confundido com um ladrão e foi acusado de roubar o próprio carro, um EcoSport.
Em dezembro de 2017, trabalhadores do Carrefour que reivindicaram benefício de remuneração por trabalho em feriados foram demitidos da empresa, com a justificativa de corte de gastos. Os funcionários, no entanto, garantiram que os nomes que receberam a demissão estavam envolvidos em movimentos grevistas.
Neste mesmo ano, foi aprovada a Reforma Trabalhista, que aboliu as oito horas diárias de trabalho e 44 semanais, permitindo o trabalho intermitente. Redes de supermercado como o Carrefour passaram e fazer uso do trabalho intermitente, em que o salário é dado por hora, possibilitando que o trabalhador receba menos de um salário mínimo, nessas condições. Sobretudo nas funções de caixa e ajudante geral, tendo em vista que muitos passaram a funcionar 24 horas por dia, 7 dias por semana.
Naquela ocasião, com a aprovação da Reforma, a empresa se aproveitou das brechas na nova legislação e reduziu o valor dobrado que era pago nos dias de feriado. Na ocasião, o presidente Michel Temer assinou decreto que tornava os supermercados atividade essencial, não sendo mais obrigados a dobrar os pagamentos em feriados. Os funcionários, que antes chegavam a receber R$ 86 por dia trabalhado em feriado, passaram a receber em média R$ 30 por dia em todo mês.
Ainda em uma loja em Osasco, em dezembro de 2018, um cão que estava no estacionamento de uma das lojas da empresa, em Osasco, morreu após ser envenenado e espancado por um funcionário. Não houve socorro ao animal. O cachorro foi resgatado com vida todo ensanguentado por uma pessoa que estava perto e socorreu. Ele foi levado para uma clínica veterinária particular, mas morreu em atendimento.
Em maio de 2019, a Justiça do Trabalho de São Paulo concedeu liminar pedida pelo Sindicato dos Comerciários de Osasco e Região contra o Carrefour, que estaria controlando a ida dos empregados ao banheiro.
De acordo com o Sindicato dos Comerciários, nas sedes de sete cidades (Barueri, Carapicuíba, Embu, Itapevi, Jandira, Osasco e Taboão da Serra), operadores de atendimento e de telemarketing são obrigados a utilizar “filas eletrônicas” para o uso do banheiro. Além disso, devem manifestar necessidade do uso, registrando o nome no sistema eletrônico de fila e avisar ao supervisor em caso de urgência.
Em 14 de agosto deste ano, um promotor de vendas do Carrefour faleceu enquanto trabalhava em uma unidade do grupo, em Recife. O corpo de Moisés Santos, de 53 anos, foi coberto com guarda-sóis e cercado por caixas, para que a loja seguisse em funcionamento e permaneceu no local entre 8h e 12h, até ser retirado pelo Instituto Médico Legal (IML). Clientes e funcionários, eufemisticamente chamados agora de “colaboradores”, tiveram que assistir a essa cena grotesca.
Comentário: os mesmos grupos de mídia, como a Globo e a Folha de SP, que agora querem retratar a morte de João Alberto pelos dois seguranças como um “crime de ódio”, passam pano, sim, para a precarização das relações de trabalho que vem se intensificando nos últimos dez anos, que se reflete em trabalhadores insatisfeitos e muitos despreparados, dada a rotatividade deles no emprego. Mais fácil para a grande mídia inserir a morte ocorrida na noite do dia 19 como o estopim para um “Black Lives Matter” brasileiro do que apontar ali os sintomas do Neoliberalismo selvagem que eles apoiam.
Dessa maneira, convocam protestos em frente de lojas Carrefour pelo país, algumas podendo ocorrer de forma violenta, com quebra-quebra, enquanto reclamam da “lentidão das reformas” que o Ministro Paulo Guedes teria que realizar. Para aqueles que ficaram revoltados com razão com o acontecido, fica a mensagem nem tão subliminar que a precarização do trabalho pode ser dos males o menor.
A mesma mídia que apoiou essas reformas com base em argumentos como o de Armínio Fraga, ex-gestor dos fundos de George Soros e ex-presidente do Banco Central, que defendia, quando integrava a equipe econômica na candidatura de Aécio Neves, que os salários no Brasil cresceram muito, acima da produtividade do trabalho. Hoje, Fraga está junto com Luciano Huck, o apresentador de TV da Globo que está sendo gestado, sob os cuidados de Fernando Henrique Cardoso, da Globo e dos circuitos do Foro de Davos para ser o próximo presidente, com a possível derrocada de Bolsonaro. Não custa lembrar que Paulo Guedes, antes de vestir a camisa do “bolsonarismo”, trabalhava para a candidatura abortada de Huck às eleições de 2018.
Esse caso ilustra para nós não só os efeitos da precarização do trabalho, mas também esta associada à desnacionalização da nossa economia, com grupos estrangeiros exercendo controle sobre setores da economia nacional, como o comércio varejista. Além do Carrefour, o rival deles na França, Grupo Casino, controla o Grupo Pão de Açúcar (supermercados Extra e Pão de Açúcar). O mesmo Grupo Pão de Açúcar já teve como sócio majoritário Abílio Diniz, que hoje integra o Conselho de Administração do Carrefour.
Ou seja, uma fatia considerável do comércio varejista no Brasil está controlada pelas “campeãs nacionais” francesas, turbinadas por políticas econômicas daquele país. Aí, depois disso, a França ainda quer dar lições ao Brasil sobre Direitos Humanos e sustentabilidade.
Os dois seguranças que causaram essa morte são trabalhadores terceirizados da empresa de segurança Grupo Vector, com sede em São Paulo, que tem policiais militares e um civil como sócios, em violação a regras constitucionais para os agentes públicos, acumulando o cargo público com a sociedade em atividade com fins lucrativos. Um dos envolvidos na morte, por sua vez, é um policial militar temporário da Brigada do Rio Grande do Sul.