A imagem que ilustra esta matéria representa a partilha da China no final do Século XIX, quando as potências ocidentais e a Rússia buscaram impor ao milenar mas decadente Império Chinês suas zonas de influência para explorá-la economicamente. A China, que era o país mais rico do mundo no início daquele século, chegou à metade do Século XX, depois da invasão japonesa e da II Guerra Mundial como o país mais pobre do mundo. Coube aos comunistas, que, com o tempo, foram adotando medidas cada vez mais nacionalistas e menos marxistas, recuperar o estrago e transformar a China, hoje, em maior economia do mundo – se considerarmos o critério PIB/paridade poder de compra.
Em 2021, ela se encontra em uma posição inversa: o Brasil, apesar de ter um governo autoproclamado nacionalista, mantém de vento em popa o feirão de venda de ativos nacionais. Na China de mais de cem anos atrás, a pilhagem se fazia com a ameaça do uso da força, quando não elas pisavam em território chinês, enquanto que no Brasil a entrega é feita sob as “boas recomendações” de economistas, que defendem a privatização de setores estratégicos que vão cair nas mãos de capitais chineses e seus laranjas. A justificativa é melhorar o “ambiente de investimentos”.
A Eletrobrás foi uma empresa projetada e criada nos governos Juscelino (1956-1961) e João Goulart (1961-1964), fortalecida pelos governos militares, mas que começou a ser desmontada no Governo Fernando Henrique (1995-2002). Foi controlada pelo Estado brasileiro até então, em um período em que o consumo de energia crescia muito de ano a ano e a inflação era alta, apesar de as crises energéticas (“apagões”) não acontecerem. Começaram justamente com o início do desmonte.
Agora, querem finalizar o serviço daquele presidente, que hoje chama Bolsonaro de “maluco” e que preferiria ter Lula na presidência. Neste ano, o governo editou uma MP que permitiria a abertura do capital da Eletrobrás, ainda que reservando para o Estado brasileiro ações de golden share que impõem decisões de veto uma vez a empresa estando privatizada, assim como limitações de controle das ações acima de 15% do capital social da empresa. Ou seja, pela lei, pretende pulverizar o controle acionário da Eletrobrás por diversos acionistas.
Trata-se de um argumento para o governo se defender de que não estaria fazendo uma privatização total, mas impondo limites ao controle da Eletrobrás por alguma empresa. Contudo, nada pode deter o apetite chinês pelo setor de energia brasileiro, tendo em vista a vantagem competitiva que eles adquiriram nas últimas décadas. Deverão ir para cima da Eletrobrás com suas empresas estatais ou seus laranjas no Brasil.
Por falar em laranjas, hoje a China não parece mais cultivar a mesma relação com o Governador de São Paulo, João Dória, com a mudança de rumos na diplomacia brasileira. Interessados sobretudo em negócios, e não em querelas ideológicas que na prática são inúteis, os chineses encontram agora um canal de comunicação com o governo brasileiro, no ambiente de feirão da Eletrobrás e da 5G.
Enquanto isso, os apoiadores do governo mantém a retórica antichinesa (incluindo a do “comunavirus”) e lutam pela causa justa das urnas auditáveis. A oposição, por sua vez, depois do fim do BBB 21, tornou-se espectadora de CPI da Covid, voltando sua raia para o “malvado do dia” (Ernesto Araújo, Eduardo Pazuello etc.), enquanto suspira pelo seu “malvado favorito”, Renan Calheiros. A votação da MP da Eletrobrás foi depois da alegada crise de saúde de Pazuello, que interrompeu seu longo depoimento no dia 19 de maio. Assim a votação na Câmara foi depois do Jornal Nacional.
“Isso a Globo não mostra”, mas aprova, caros apoiadores do presidente.
Já na Rússia, a finalização das obras do gasoduto Nord Stream 2, que vai levar gás natural da Rússia diretamente para a Alemanha via Golfo da Finlândia e Mar do Norte, está garantida, sob os cuidados da estatal russa Gazprom, depois que o Governo Biden relaxou as sanções impostas há quatro anos em empresas e executivos envolvidos no projeto. Um tiro indireto nos países da Europa do Leste alinhados aos EUA, que contavam com os gasodutos que passam por seus territórios como meio de pressionar a Rússia. Por outro lado, mais uma medida que consolida a aproximação da Rússia com a Alemanha.
Mas no Brasil, prevalece a cantilena do “ambiente de investimentos”, como se uma empresa lucrativa como a Eletrobrás não tivesse capacidade de gerar energia, distribuí-la e ainda investir nos gargalos, como a não integração de Roraima ao sistema nacional, interligado por hidrelétricas e termoelétricas.