Por Rodrigo Wentzel Vieira de Mattos.
É sabido que o governo militar de 1964 não abriu mão do projeto de desenvolvimento iniciado por Getúlio Vargas em 1930. Todavia, o marechal Humberto Castelo Branco (1964-1967) se deparou com um problema grave nas contas públicas que precisava de regulamentação. Então, comete-se um grande erro que só é possível percebermos hoje, cujo fenômeno toma fôlego na década de 1990.
Tendo que controlar o quadro de instabilidade financeira deixada por João Goulart em um período de tensão política intensificado pelo contexto de Guerra Fria, o regime militar herdou a missão de controlar as contas da República e teve que se confrontar com as duas vertentes do pensamento econômico que, à época, dominavam as discussões sobre o modelo a ser adotado na política fazendária: o desenvolvimentismo e o monetarismo.
Muito crítico aos rumos que a nação estava a tomar desde o Plano de Metas do governo de Juscelino Kubitschek, a estratégia administrativa do presidente Castelo Branco fora optar pela estabilização do orçamento público como já se fazia desde a publicação da lei n° 4320 de 17 de março de 1964 criada por Celso Furtado, às vésperas da decretação do estado de sítio (31 de março de 1964). Optou-se, assim, o presidente, por trazer para o Ministério da Fazenda Octávio Gouveia de Bulhões e o economista Roberto Campos no Ministério do Planejamento, um homem que sentia ressentimento do Juscelino por ter sido exonerado do cargo de presidente do BNDE à época de seu mandato. Envaidecido, achando que conseguiria pôr fim ao período desenvolvimentista ao qual odiava, começou a tentar influenciar a União a tomar medidas de controle orçamentário de contenção de gastos público. Tentou fazer o que faz o hoje o Paulo Guedes com presidente Bolsonaro, mas não obteve sucesso pela infinita superioridade intelectual de Castelo Branco ao atual mandatário do Poder Executivo.
Três anos depois, a Constituição de 1967, época em que se completava 37 anos de desenvolvimento nacional, apresentava dispositivos ainda melhores em termos de fomento ao desenvolvimento que a Constituição de 1934 e a Constituição de 1937. Dois anos depois, foi publicado a Emenda n° 1/69. Assim, a Constituição conferia à União o poder de promover o desenvolvimento e a segurança nacional (art. 8, V); o poder de intervenção nos Estados que adotassem medidas financeiras contrárias às diretrizes estabelecidas em lei federal (art. 10, V, c); dava à União o poder de isentar impostos estaduais e municipais (parágrafo 2° do art. 19); e, como tinha o poder de deter o monopólio de determinadas indústrias mediante lei federal, quando por motivos de segurança nacional ou para organizar um setor em que a iniciativa privada mostrava-se ineficiente (art. 167), dava meios soberanos ao presidente de praticar protecionismo aos moldes da teoria de Friederich List e Mihail Manoïlescu, autores que muito influenciaram o pensamento desenvolvimentista desde a década de 1930.
O erro estratégico, portanto, consistiu em se ter dado prestígio ao Roberto Campos, que obteve sucesso no controle das contas públicas não por ter conseguido implementar tudo o que desejava, mas por mérito do Castelo Branco que conteve os excessos ideológicos daquele a quem confiara as contas públicas da nação.
Após a queda do Muro de Berlin, findada o período de Guerra Fria, ao menos nos discursos, dá-se início à crise, em todos os países, do welfare state keyensiano. No Brasil, devido ao agravamento da crise do petróleo, mais uma vez as contas públicas ficam desorganizadas e os ideais neoliberais começam a ressurgir tendo por norte os ditos e escritos de Roberto Campos. Pouco tempo depois suas ideias antidesenvolvimentistas passariam a conduzir a administração fazendária e se tornar a mentalidade dominante nas Faculdades de Economia impulsionada por Gustavo Franco (PUC-RJ) no governo de Fernando Henrique Cardoso que, abertamente, proclamou guerra à Era Vargas. Desde então, impulsionado por Gustavo Franco, este ideário robertocampista passou a influenciar as Faculdades de Direito na seara do Direito Financeiro e começamos a aceitar chantagens de bancos internacionais como Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional.
Agora, 30 anos depois, temos essas aberreções de corte de gastos, ajuste fiscal, congelamento de gostos em 20 anos, e essa ideologia neoliberal que consiste no silogismo retórico de “gastar apenas o que se arrecada”. Tudo isso é agravado quando o lacerdismo da luta anticorrupção se soma ao antitrabalhismo/getulista do “robertocampismo”, ideologia dominante atualmente, nos legou esta estética militarista do baixo escalão das forças armadas dirigidas por um aspirante a Pinochet que “governa” este país sem nenhum projeto nacional de desenvolvimento.
Quanta decadência!