
Em entrevista exclusiva ao Sindipetro-SP, o professor de Direito Econômico da USP aponta que não há qualquer obstáculo jurídico nas nacionalizações e reestatizações, mas pondera: “elas dependem de forte apoio popular”.
Por Guilherme Weimann.
Na tradição privatista liberal, o direito à propriedade é inviolável. Mais do que isso, é considerado imanente, ou seja, possui em si próprio o seu princípio e o seu fim. É justamente esse lugar-comum que o professor titular de Direito Econômico e Economia Política da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Gilberto Bercovici, tenta desconstruir.
Coautor do livro recém lançado “Nacionalização: necessidade e possibilidades”, escrito em parceria com o professor de Direito do Comércio Internacional da USP, José Augusto Fontoura Costa, Bercovici defende que o caráter da propriedade é funcional, mas não natural – e, justamente por isso, pode retornar ao controle público se necessário.
Neste sentido, o pesquisador aponta que não existe nenhum empecilho jurídico, nacional ou internacional, para a realização de nacionalizações ou reestatizações de propriedades que sejam do interesse do conjunto da população.
Em artigo publicado no ano passado, o professor resgatou uma metáfora, criada pelo jurista italiano Ugo Mattei, que compara o processo de privatização conduzido pelo governo, com o objetivo de fazer frente às suas necessidades conjunturais – inclusive eleitorais, a uma autorização para que o zelador venda a prataria familiar com o objetivo de suprir seus interesses particulares.
Na versão brasileira contemporânea, em que se avolumam privatizações de ativos por valores muito abaixo da cotação do mercado, o exemplo ganharia um caráter ainda mais surreal. “No nosso caso, o ‘zelador’ não só vende o que não lhe pertence, como vende abaixo do preço, em um grande acordo entre amigos”, aponta.
Neste cenário, Bercovici coloca as nacionalizações ou reestatizações como pré-condições para recuperação econômica e social do país. “A questão não é se as nacionalizações ocorrerão, mas quando. Elas são condição necessária para a retomada do desenvolvimento do país. Obviamente, para tanto, elas dependem de forte apoio popular para que os políticos possam efetivá-las”, pondera.
E, caso elas realmente se concretizem, o acadêmico garante que não haverá nenhuma retaliação internacional como, muitas vezes, coloca-se como principal argumento de analistas ao comentar esses temas. Para justificar essa previsão, ele elenca exemplos históricos como a nacionalização, em 2012, da petrolífera YPF, pertencente até então à empresa espanhola Repsol.
“Quando ocorrerem as nacionalizações, não se preocupem, não haverá desembarque de tropas americanas, europeias ou chinesas em qualquer parte do território nacional. O que haverá, será a grita da grande imprensa corporativa que defende os interesses econômicos do grande capital”, opina.