Noves fora o festival de fake news da imprensa brasileira, ainda que com tom oficioso, assistimos ontem (21/2) ao reconhecimento pela Federação Russa das repúblicas populares de Donetsk e Lugansk (localizadas na região do Donbass) como entidades independentes pelas quais zelará, daqui para frente, pela liberdade em relação ao Estado ucraniano. Primeiro passo, sem dúvida, para a anexação desses territórios à Rússia, já que lhe fazem fronteira.
Putin tomou a decisão pelo reconhecimento após decisão unânime do Conselho de Ministros e de mais de dois terços da Duma, o parlamento russo. Em seu discurso, o presidente russo lembrou que a Ucrânia deve sua existência à Revolução Comunista de 1917, quando as lideranças bolcheviques reconheceram a República Socialista Soviética da Ucrânia, que foi incorporada, logo depois, à União Soviética.
Lembrou também que outras partes da Ucrânia foram acrescentadas posteriormente durante o período soviético, incluindo a Crimeia, como mostra o mapa abaixo. Putin ainda aproveitou a situação para sinalizar que também estaria, nesse sentido, contribuindo para a “descomunistização” da Ucrânia, tendo em vista o viés dos governos que lá se instalaram desde o EuroMaidan de 2013, quando se iniciou a guerra civil que envolveu, de um lado, as forças da Novorussia (que atuavam em Donetsk e Lugansk), e, de outro, milícias neonazistas, tal como o Batalhão de Azov. Desse modo, a “descomunistização” , apregoada pelas lideranças ucranianas, se faria com a retomada da influência russa sobre a Ucrânia.
Essa retomada de influência já está sendo levada a cabo não apenas com o reconhecimento e apoio político, mas com a presença de tropas e apoio militar. No mesmo momento, foi preparado um acordo entre as novas repúblicas e a Federação Russa.
O que podem fazer os Estados Unidos e a União Europeia diante disso? Não muito, além das ameaças de sanções, de que tão surradas não podem surtir muito efeito. Sob sanções a Rússia já está desde a anexação da Crimeia, assim como o Irã, sob sanções muito mais severas, sobrevive mesmo não tendo todo o peso da Rússia, o que não lhe impede de modernizar seu aparato militar, sobretudo na tecnologia de mísseis. A integração econômica eurasiana, incluindo a Rússia, ex-repúblicas soviéticas, Irã e Paquistão, com forte iniciativa chinesa, é uma realidade que vem se impondo, goste-se ou não.
A Alemanha, por sua vez, ameaça suspender a licença para o funcionamento do Nord Stream 2, o gasoduto que conectaria diretamente à Rússia, passando pelo Mar Báltico. O Reino Unido, na figura do descabelado Boris Johnson, anunciou sanções aos principais bancos russos e às autoridades de Donetsk e Lugansk. A União Europeia disse que não reconhecerá passaportes russos dos cidadãos dessas localidades.
Quanto aos Estados Unidos, este agora pede para que a Ucrânia resolva a crise de forma diplomática, após fomentar a postura agressiva do país em passar por cima dos Acordos de Minsk, que garantiam a paz no Donbass, e incentivar os ataques na região. Os norte-americanos já estavam deixando os ucranianos na mão quando começou a retirar diplomatas da capital Kiev, ainda mais agora em que move todo seu corpo diplomático que estava na Ucrânia para a vizinha Polônia.
Diante da retomada dos ataques de Kiev contra o Donbass registrado na última semana, Putin não teve outra opção que não a decisão anunciada nesta segunda, pois não poderia tolerar a retomada da guerra civil na região de conflito.
Enquanto o governo central ucraniano aumentava o tom, admitindo, por influência dos EUA, a intenção de tornar-se membro da OTAN e de retomar o controle de Donetsk e Lugansk, a Rússia concentrava suas tropas na fronteira, em um jogo de força no qual a Ucrânia não poderia sair vencedora. Assim, o máximo que os patrocinadores ocidentais podem fazer é ameaçar com sanções e emitir vãs reprovações, pois nesta disputa Putin demonstra estar disposto ir às últimas consequências.
Quanto ao Brasil, o Itamaraty, sob nova chefia, adotando um tom profissional, segue a tradição da nossa diplomacia, ao emitir uma nota que condena as hostilidades, mas não faz maiores reprovações à Rússia como fazem os países do “Ocidente do Norte”. Trata-se de um importante posicionamento, uma vez que participamos como membro rotativo do Conselho de Segurança, no qual posicionamentos da Rússia tem nos sido favorável, sobretudo no veto à securitização dos fenômenos climáticos, o que poderia abrir espaço, nos foros internacionais, à violação da soberania brasileira sobre a Amazônia.