Por Movimento de Solidariedade Iberoamericana.
A aproximação estratégica brasileira com a Rússia e a recusa em aderir às sanções determinadas pelos EUA e a União Europeia (UE) pela guerra na Ucrânia, seguindo a linha do BRICS e da maioria dos países do G-20, está causando uma grande irritação em Washington. Esta ficou manifestada em uma série de episódios recentes tendo na alça de mira o próprio presidente Jair Bolsonaro, selecionado como alvo preferencial do esforço de “reenquadramento” do Brasil ao pretendido papel de linha auxiliar de Washington.
Nesse sentido, a ação mais visível foi a visita a Brasília da subsecretária de Estado para Assuntos Políticos Victoria Nuland, em abril, para uma Reunião de Alto Nível com suas contrapartes do Itamaraty. Seguindo seu truculento manual diplomático, Nuland fez uma nada sutil crítica indireta ao Presidente Jair Bolsonaro, em resposta à pergunta de um jornalista sobre as críticas do presidente ao sistema eleitoral brasileiro. Em vez de usar a boa prática diplomática de isentar-se de comentar assuntos internos de outros países, ela preferiu manifestar a “confiança” de Washington nas “fortes instituições democráticas do Brasil”: “Temos confiança em seus sistemas e vocês precisam ter confiança em seus sistemas, inclusive no nível de liderança (Valor Econômico, 25/04/2022).”
Na ocasião, o subsecretário de Crescimento Econômico, Energia e Meio Ambiente, José Fernandez, que acompanhava Nuland, manifestou a “preocupação” com o desmatamento na Amazônia, deixando claro que Washington quer ver “resultados concretos” nesta área, como disse ao Valor o secretário para as Américas do Itamaraty, Pedro da Costa e Silva.
Vale recordar que a Sra. Nuland é uma veterana articuladora de “revoluções coloridas”, tendo sido uma peça-chave no golpe de Estado que depôs o presidente ucraniano Viktor Yanukovich, em 2014, origem da escalada que levou à ação militar russa contra Kiev.
Em clara combinação com Nuland, o jornal O Globo de 30 de abril publicou um artigo do ex-cônsul no Rio de Janeiro Scott Hamilton, “Defendendo a democracia”. No texto, uma das mais ultrajantes intromissões de um representante de um governo estrangeiro já publicadas na mídia brasileira, o autor afirma que Bolsonaro quer “sabotar a integridade do processo democrático brasileiro” e que o governo de Joe Biden “deveria ser mais agressivo ao apoiar as instituições democráticas independentes do Brasil”.
Segundo ele, “os Estados Unidos deveriam deixar claro de modo cristalino ao presidente Bolsonaro que uma tentativa de interferir na integridade do processo eleitoral brasileiro será objeto de repúdio absoluto e de sanções punitivas a todos os envolvidos, impostas simultaneamente por um amplo grupo de países”.
Sem surpresa, não faltou menção à Rússia: “A presença de Carlos Bolsonaro, seu líder de campanha nas redes sociais, na delegação que em março [a visita foi em fevereiro – n.e.] encontrou Vladimir Putin, presidente de um país que é um sofisticado manipulador digital de eleições, deveria nos deixar com a pulga atrás da orelha.”
O “diplomata aposentado” concluiu, ressaltando: “A hora para os Estados Unidos se manifestarem é agora, não quando uma crise estiver em curso ou depois dela.”
Para que fique claro que o Establishment está em empenhado em interferir nas eleições brasileiras, em meados de abril, o recado foi transmitido diretamente ao ministro da Economia Paulo Guedes, durante um seminário no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), um dos mais importantes think-tanks estadunidenses, Guedes foi bastante cobrado pelos interlocutores sobre a neutralidade brasileira em relação ao conflito. Entre outros, ouviu do entrevistador Daniel F. Runde, diretor do Programa das Américas do CSIS: “Você vai descobrir que existem visões bem fortes sobre isso aqui e vai ser interessante ver a resposta que você obterá com a sua posição (BBC News Brasil, 19/04/2022).”
Prosseguindo, Runde disse que “em Washington, ninguém acredita que seu presidente vai ganhar a reeleição”.
Nas pressões de Washington não podem faltar as ONGs – que Hamilton inclui entre as “espetaculares instituições democráticas brasileiras”. Por isso em paralelo com a visita de Nuland & Cia. a Brasília, um grupo delas, reunido no recém-criado Washington Brazil Office (WBO), encaminhou um dossiê de 25 páginas a vários órgãos do governo estadunidense, pedindo que os EUA se mantenham “vigilantes” sobre as eleições deste ano no Brasil, chegando a sugerir que Bolsonaro possa instigar uma ação como a invasão do Capitólio por seguidores do então presidente Donald Trump, em janeiro de 2021.
“Bolsonaro está criando condições para um ambiente eleitoral muito instável e, se perder, o mundo deve lembrar o ataque de 6 de janeiro de 2021 ao Capitólio dos EUA e estar preparado para testemunhar uma versão provavelmente mais extrema disso no Brasil”, diz o documento (BBC News Brasil, 29/04/2022)”.
“Reminiscente da retórica de Trump em 2020, Bolsonaro já disse que pode não aceitar os resultados da eleição de 2022, criando um terreno fértil para desinformação e atos extremistas”, afirmam os autores.
Em fevereiro de 2021, algumas dessas organizações de guerra híbrida/irregular, então reunidas na U.S. Network for Democracy in Brazil (Rede dos Estados Unidos pela Democracia no Brasil), enviaram ao recém-empossado governo de Joe Biden um dossiê análogo, recomendando uma série de medidas punitivas, entre elas, a restrição de importações de madeira, soja e carne do Brasil, “a menos que se possa confirmar que as importações não estão vinculadas ao desmatamento ou abusos dos direitos humanos” (MSIa Informa, 11/02/2022).
O dossiê foi elaborado por um grupo de acadêmicos e militantes pertencentes às universidades de Miami, Brown, Virginia, Cidade de Nova York (CUNY) e ao WBO, Greenpeace, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Artigo 19, Instituto Sou da Paz e Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI).
O WBO, sediado em endereço nobre na capital estadunidense, proclama que seu objetivo é “produzir conhecimento sobre o Brasil e apoiar o trabalho internacional de todos os setores que necessitam de incidência, atuação, intercâmbios bilaterais, produção de conhecimento e de construção de relações de cooperação entre o Brasil e os Estados Unidos e/ou junto às organizações/organismos internacionais que têm sede nos Estados Unidos”.
A entidade é dirigida por um triunvirato integrado por:
– Paulo Abrão, diretor-executivo, ex-presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH);
– Iman Musa Jadallah, diretora de Defesa de Direitos (Advocacy);
– Juliana Moraes, conselheira sênior, ex-consultora da CIDH e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
E conta ainda com um “círculo de embaixadores” que apoia as suas atividades:
– Wagner Moura, ator e diretor cinematográfico;
– Sônia Guajajara, líder indígena e deputada federal (PSOL-SP);
– Daniela Mercury, cantora;
– Gregório Duvivier, ator, comediante e escritor;
– Jean Wyllys, jornalista e ex-deputado federal.
O conselho diretor é presidido pelo historiador James Green, professor de História e Cultura Brasileira na Universidade Brown e coordenador da U.S. Network for Democracy in Brazil.
O WBO lista como doadores as onipresentes Open Society Foundations do megaespeculador George Soros e o Instituto Galo da Manhã, entidade ligada ao Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE). Embora ainda não apresente registros financeiros, devido ao pouco tempo de funcionamento, por analogia com outras ONGs semelhantes, seu orçamento anual deve situar-se na faixa de US$ 500 mil-1 milhão.
Apesar de afirmar que não recebe dinheiro do governo dos EUA, na prática, o WBO atua como uma autêntica “quinta-coluna” a serviço da agenda de Washington para o fustigamento do Brasil e seu posicionamento independente no novo cenário global catalisado pela ação russa na Ucrânia.