
O embaixador da Argentina no Brasil, Daniel Scioli, afirmou que discutiu a criação de uma “moeda do Mercosul” com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em reunião nesta terça-feira, após a posse do ministro.
Segundo Scioli, a ideia é que cada país mantenha a sua moeda local, mas que uma moeda única seja criada para trocas financeiras entre os países do bloco. “Não significa que cada país não tenha sua moeda. Significa uma unidade para integração e aumento do intercâmbio comercial no bloco regional”, disse o embaixador argentino.
Normalmente, os países fazem o seu comércio exterior em dólares, a não ser quando tenham acordos especiais de trocas entre suas próprias moedas, conforme Brasil e Argentina já desenvolveram entre si em um acordo de 2008. Contudo, neste caso, Haddad e Scioli querem dar seguimento a uma ideia já aventada pelo ex-ministro Paulo Guedes, que propôs a criação de uma moeda única no Mercosul, para substituir o real e o peso argentino. Segundo a ideia globalista de Guedes, em um futuro não muito distante, restariam no mundo aproximadamente meia dúzia de moedas, incluindo o dólar, o euro e o yuan, em que a moeda do Mercosul “transformaria o Brasil na Alemanha do bloco”.
Os apologistas do novo governo podem defender que a nova proposta não é a mesma do ex-ministro, mas se considerarmos o caso europeu, o euro não surgiu de uma hora para outra, pois tratou-se de um projeto de décadas, com longo período de transição. Assim, tal proposta de moeda comercial pode funcionar, se for levada a cabo, como um embrião de moeda comum em sentido pleno.
Uma vez instituída uma moeda comum, ela demandaria um banco central supranacional que a garantisse e ficasse responsável por sua política monetária (taxa de juros) e cambial. Experimentar-se-ia o mesmo que acontece na Europa, com o descompasso entre a política fiscal dos Estados e a política monetária e cambial do Banco Central Europeu. Diferentemente do Brasil, a Argentina não tem reservas cambiais suficientes, o que contribui para sua inflação alta e para o risco de default (calote) permanente de suas obrigações externas.
O que o continente sul-americano precisa não é de moeda única, mas de integração por via da infraestrutura (rodovias, hidrovias, ferrovias, gasodutos etc), com vistas a alcançar mesmo os países que formalmente não integram o Mercosul, de forma a realizar a integração tanto no sentido norte/sul, como do Atlântico ao Pacífico. Ao Brasil não interessa a criação de um projeto de moeda única, mas que o real seja usado na integração econômica com os demais países do continente. Abrir mão da própria moeda significa internalizar problemas decorrentes das fragilidades econômicas dos vizinhos e perda inútil de soberania. Não é de se estranhar que seja agora a Argentina a levantar a proposta.
Ainda que o novo governo faça o giro saudável de fomentar as relações com os países vizinhos, independentemente das ideologias de cada governo, a esquerda no governo brasileiro não pode se deixar levar por um bolivarianismo ingênuo e extemporâneo, em nome da integração regional. Se a “autonomia” do Banco Central instituída pelo antigo governo tirou o controle do Poder Executivo sobre a política monetária, para satisfazer a agenda dos bancos, o fosso ficaria ainda maior se fosse instituído um banco central supranacional, pois, pelo menos, no campo das possibilidades, a autonomia do BACEN ainda pode ser revogada, basta intenção e capacidade política.
Assim, ainda que esteja em voga os “revogaços” dos atos do governo anterior, estranhamente tal ideia do ex-ministro Guedes parece encontra eco no atual governo. Que a oposição à moeda comum fique na pauta da oposição.