
Do Movimento de Solidariedade Ibero-americana.
De saída da presidência do todo poderoso Conselho de Relações Exteriores (Council on Foreign Relations – CFR) de Nova York, cargo que ocupou por 20 anos, Richard Haass não faz rodeios para qualificar a atual situação dos EUA. Para ele, pela primeira vez, as ameaças internas superam as externas e os EUA se converteram no maior perigo à segurança mundial, como disse ao jornalista Peter Baker do New York Times, em entrevista publicada em 1º. de julho.
Segundo Haass, a hegemonia dos EUA chegou ao fim e o país é hoje a maior fonte de instabilidade global: “(O maior perigo) somos nós. A nossa situação política doméstica é não só algo que outros não querem imitar, mas eu também penso que ela introduziu um grau de imprevisibilidade e uma falta de confiabilidade que é realmente venenosa. Para a capacidade dos EUA de funcionar com sucesso no mundo, quero dizer, isso dificulta bastante que os nossos amigos dependam de nós.”
Ele afirma que a democracia estadunidense precisa ser remodelada e, agora, “tornou-se uma preocupação de segurança nacional”.
Em um artigo escrito para o Project Syndicate, publicado em 16 de junho, Haass admitiu: “(…) A capacidade dos EUA de mobilizar o mundo está muito diminuída, em medida nada desprezível, porque o respeito pelos EUA está muito diminuído, como resultado das suas divisões internas e da disseminada oposição global às intervenções estadunidenses no Iraque, em 2003, e na Líbia, em 2011. O governo do presidente Joe Biden não ajudou, com a insistência em enquadrar a guerra [na Ucrânia] como sendo uma entre a democracia e o autoritarismo. (…)”
E observou: “Os EUA permanecem sendo os primeiros entre iguais (ou desiguais, para ser mais preciso), mas isto não deve ser confundido com qualquer coisa que lembre hegemonia. As vantagens desfrutadas pelos EUA em 1990 desapareceram, enquanto outros atingiram um poder maior.”
Desde a sua criação, em 1921, o CFR de Nova York tem sido o principal centro de discussões e formação de consensos sobre política externa nos EUA, que, quase invariavelmente, acabam se traduzindo em diretrizes políticas para os governos de Washington. Criado em paralelo com o Instituto Real para Assuntos Internacionais (RIIA) britânico, mais conhecido como Chatham House, na sequência de deliberações entabuladas pelos establishments dos dois lados do Atlântico após o fim da I Guerra
Mundial, em sua existência centenária, o CFR tem sido o próprio símbolo do poderio econômico e militar que fundamentou a postura hegemônica dos EUA após a II Guerra Mundial. Assim, é de grande simbolismo o fato de que o seu presidente mais longevo encerre a sua trajetória com uma advertência com essa gravidade, que soa como um canto do cisne da hegemonia estadunidense, que já se pode perceber à distância. Ademais, sugerem uma fissura exposta na relação especial anglo-americana inaugurada há um século como embrião de um “governo mundial” baseado na soberba “excepcionalista” das potências transatlânticas.