Por Raphael Machado.
Kissinger tem 100 anos. Está aposentado, extremamente doente, frágil e só viaja com uma grande e cara equipe médica. Ele não foi à China pra “visitar”, nem pra “melhorar as relações” ou para “fazer negócios”. Mandar Kissinger à China é demonstração de medo e é também simbólico não de um “novo começo”, mas do “fim” de um período inaugurado também por Kissinger nos tempos de Mao.
Em todas as cúpulas internacionais dirigidas pelo Ocidente nos últimos dois anos a China foi insultada, atacada, ameaçada e apontada como “principal inimigo”. O Ocidente está tentando manobrar a ASEAN, bloco regional dos países do Sudeste Asiático, contra a China, enquanto os países partes desta aliança se esforçam para pular fora, declarar neutralidade e transformar seu espaço em zona desnuclearizada.
Os EUA abandonaram seu tradicional respeito pelas reivindicações chinesas em Taiwan e já tratam o território quase como país independente. Enquanto isso, vende quase tantas armas para Taiwan quanto está mandando pra Ucrânia e já mandou uma legião de “conselheiros militares”.
A guerra econômica na prática já começou e está escalando, com crescentes sanções contra empresas específicas do adversário por parte dos dois países.
China e Rússia fizeram um imenso exercício naval de um mês de duração no Pacífico que acabou de terminar. O maior da história entre eles na região e com aviões chineses usando aeroportos russos, é também o maior nível de cooperação militar entre esses dois países.
Esses dias também a China solicitou uma reunião diplomática urgente com Japão e Coreia do Sul, parceiros tradicionais dos EUA na região (mas a Coreia do Sul começou a aumentar seus vínculos comerciais com a China no início desse ano…). A China quer convencer esses aliados dos EUA a ficarem de lado?
A “armadilha de Tucídides” já virou um clichê explicativo. Mas por enquanto tudo indica que realmente haverá confronto militar entre EUA e China. E nem precisa ser por uma invasão chinesa de Taiwan. O estopim pode ser outro.
Não há qualquer indicação de pacificação. A China inclusive há poucos meses afirmou que “há ainda há possibilidade de evitar o pior se os EUA mudarem de curso” e dias atrás Xi disse que a China está se preparando para uma guerra.
O grande problema é que as economias dos dois países estão entrelaçadas, para não falar no fato de que são potências nucleares. Acho difícil Kissinger ter sido enviado para fazer a China recuar. A China não vai recuar.
É mais fácil ele ter sido enviado para negociar os limites do engajamento e evitar um holocausto nuclear, além também de talvez combinar o crescente desacoplamento econômico pra evitar o colapso da economia mundial, etc.
É a mesma lógica com as reuniões secretas Rússia-EUA. Não são pra “negociar a paz”, mas pra negociar e combinar os limites de engajamento, como a questão da usina nuclear de Zaporizhia, etc.
Difícil não haver, pelo menos, escaramuças entre China e EUA nos próximos anos, o negócio é torcer para que os adultos na sala garantam que o conflito não descambe pro fim do mundo.
A guerra está em curso acelerado. O uso do arsenal nuclear estratégico é por enquanto meio de dissuasão, mas o emprego de armas atômicas táticas é inevitável!