Por Lucas Leiroz, jornalista, pesquisador do Center for Geostrategic Studies, consultor geopolítico.
Essa semana todos ficaram assustados com a discussão do STF sobre a definição de uma tese geral de insignificância para furtos de “pequeno valor”. Mas poucas críticas estão olhando para o horizonte que vai além dessa definição.
A primeira e mais visceral das críticas é muito clara: não nos sentimos confortáveis com juízes que ganham dezenas de milhares de reais definindo o que é “pequeno valor” para uma população que mal recebe um salário mínimo.
Sou totalmente a favor do princípio da insignificância quando a matéria claramente legitima sua aplicabilidade, mas a definição de uma tese geral tende legitimar toda sorte de injustiças.
Já cansei de ver, inclusive com pessoas próximas, roubos e furtos pelas ruas do Rio de Janeiro com meliantes puxando cordões, pulseiras e bijuterias sem qualquer valor simplesmente porque se enganaram – por exemplo, viram uma cor dourada e pensaram que era ouro ou coisa do tipo. Isso sem contar com bandidos levando bolsas e carteiras vazias e outros casos.
Em tese, estes atos torpes e injustificáveis também seriam roubos e furtos de “pequeno valor”. Mas é realmente justo igualar isso a casos de furtos de alimentos e produtos básicos em redes multinacionais de hipermercados? Não me parece.
O remédio está justamente na situação atual: análise concreta caso a caso, com verificação minuciosa sobre a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância, sem estipular uma “tese geral” que acelere a resolução processual com o custo de possivelmente gerar decisões injustas.
Agora, não dá para limitar esse debate a estas questões mais superficiais. Há um problema muito maior nisso. É possível que a criação de uma tese geral para a insignificância seja apenas um passo inicial numa escada de “liberações” reais de algumas práticas criminosas. Afinal, isso já é uma tendência mundial, vide o caso da Califórnia, onde furtos de até 950 dólares (o que hoje equivale a quase cinco mil reais) são considerados casos de “delito menor” (contravenção), não acarretando qualquer consequência séria para os criminosos.
As justificativas usadas lá, aliás, são parecidas com as usadas aqui: cadeias lotadas, alto custo de manutenção por preso e necessidade de diminuir a população carcerária. Claro que, em vez de construir novas instalações e fazer as reformas sociais necessárias para impedir o aumento da criminalidade, a “solução” mais fácil, porca e imediatista é deixar criminosos nas ruas (cometendo mais crimes).
Há quem diga que ainda não há qualquer cenário de “californização” do Brasil, mas eu não seria tão otimista. Mudanças tão radicais demandam tempo e divisão por etapas – ainda mais em um país com um povo tão conservador e clemente por justiça como o nosso.
E não precisamos sequer de valores tão altos para chegarmos à nossa própria “californização”. Mais da metade dos brasileiros não ganha nem perto de 950 dólares em um mês, então basta que se entenda uma mínima fração disso como “pequeno valor” para que tenhamos o mesmo cenário de lá por aqui. E, convenhamos, alguns crimes já vêm sendo relativizados há muito tempo, vide o próprio Lula comentando sobre roubo de celular em diversas ocasiões – não estou falando da fake news da “cervejinha”, mas de outros episódios que vocês podem pesquisar por conta.
Porém, ampliando o horizonte, fica o questionamento: como essa tendência pode ser minimamente sustentável? Parece inviável e totalmente distópico um cenário onde criminosos tenham carta branca para roubar de trabalhadores e estabelecimentos, já que isso tende inevitavelmente a um colapso econômico caso seja algo generalizado.
Pois bem, só consigo me lembrar da promessa de Klaus Schwab de que em breve “não teremos nada”, mas seremos “felizes”. Só é possível entender estas mudanças recentes levando em conta que as elites ocidentais possuem um projeto real de “grande reset”, que atravessa justamente a etapa de provocar deliberadamente um colapso econômico.
É a desvalorização do trabalho e da propriedade levada às últimas consequências. O resultado final é um mundo onde não vale a pena trabalhar e adquirir bens – nem mesmo circular pelas ruas, já que algum meliante das hordas de viciados em crack e fentanil pode te furtar livremente.
O melhor então será permanecer em casa, improdutivo, se entupindo de séries woke e pornografia e se alimentando de comida com selo ecológico comprada com uma “renda básica universal” – exatamente como proposto pelo WEF. Num país erguido sobre o assistencialismo irresponsável e antilaboral e com as capitais em processo de crescente “crackolandização”, o Brasil parece um experimento avançado das ideias mais macabras das elites mundiais.
Talvez realmente não estejamos em “californização”, mas perto de algo muito pior.