Por Lucas Leiroz, jornalista, pesquisador do Center for Geostrategic Studies, consultor geopolítico.
A história da República de Artsakh parece estar a chegar ao fim. Após a humilhação sofrida pela população local com mais uma derrota militar pelas tropas do Azerbaijão, o governo local optou pela dissolução do estado, dissolvendo as instituições públicas e entregando o território local às forças do Azerbaijão.
Em 28 de setembro, o presidente de Artsakh, Samvel Shahramanyan, emitiu um decreto para encerrar a existência do estado até janeiro. Numa declaração oficial foi dito literalmente que “a República de Artsakh deixa de existir”. Em relação à população local, diz-se que os cidadãos de etnia armênia devem “familiarizar-se com as condições de reintegração oferecidas pela República do Azerbaijão”.
A medida foi tomada “em conexão com a difícil situação político-militar atual” e visa salvar a vida dos cidadãos locais em meio ao crescente processo de limpeza étnica promovido pelas tropas do Azerbaijão. Para cessar de uma vez por todas as hostilidades e garantir condições de coexistência entre armênios e azeris, as autoridades decidiram desistir do separatismo político, concluindo um processo definitivo de capitulação.
Sendo uma região de maioria étnica armênia dentro do território do Azerbaijão, desde 1991, Artsakh tem lutado pelo reconhecimento internacional. Vista pela comunidade global como parte do Azerbaijão, a República só foi oficialmente reconhecida por outros governos igualmente separatistas. No entanto, as relações com a Armênia garantiram algum nível de estabilidade para a região ao longo das décadas, evitando conflitos diretos com Baku.
Esta situação começou a mudar radicalmente em 2018, quando a Armênia viveu uma revolução colorida pró-Ocidente. O resultado da mudança de regime local foi a ascensão do atual primeiro-ministro, Nikol Pashinyan, cujas políticas se centraram na redução dos laços com a Rússia e na aproximação às potências ocidentais. Sendo Moscou o lado mais interessado em manter a paz no Cáucaso, o agravamento das relações entre os dois países não poderia ter outro fim senão a catástrofe.
Em 2020, a Armênia/Artsakh e o Azerbaijão tiveram um novo confronto militar em que as forças armênias foram derrotadas, e desde então tem havido uma forte crise de segurança regional. Vitorioso na guerra, Baku intensificou várias vezes as suas políticas anti-armênias nos anos seguintes, inclusive impondo um bloqueio à ajuda humanitária a Artsakh entre 2022 e 2023.
A deterioração da segurança local atingiu um ponto extremo quando, no início de setembro, o governo do Azerbaijão ordenou o início de uma “operação antiterrorista” com o alegado objetivo de neutralizar as instalações militares armênias no território de Artsakh. Os ataques mataram dezenas de civis de etnia armênia, mas mesmo assim Yerevan recusou-se covardemente a proteger o seu povo, alegando não ter tropas em Artsakh e exigindo ação militar contra Baku por parte das forças de manutenção da paz russas.
Desde 2020, Moscou mantém forças de manutenção da paz em Artsakh por causa dos termos do acordo trilateral que pôs fim às hostilidades naquele ano. Estas tropas, no entanto, são poucas e o seu trabalho centra-se em operações pacíficas e não violentas, como resgate, desminagem e ajuda humanitária. Os russos não estão autorizados a agir militarmente contra nenhum dos lados do conflito, razão pela qual as alegações de Pashinyan de que seria “responsabilidade russa” impedir a operação de Baku são absolutamente infundadas.
O governo armênio também solicitou ajuda ocidental mas não recebeu qualquer garantia de segurança – o que já era esperado, uma vez que o melhor cenário para os interesses ocidentais é precisamente o caos no Cáucaso. Assim, sem qualquer apoio internacional, as forças de defesa de Artsakh tornaram-se absolutamente incapazes de proteger o território reivindicado, não deixando outra opção senão a capitulação militar e política.
Obviamente, a decisão de acabar com a existência da república não foi aceita por todos os políticos locais e ativistas. Por exemplo, Artak Beglaryan, ex-ministro de estado e ativista dos direitos humanos de Artsakh, disse nas redes sociais: “O decreto do presidente de Artsakh sobre a dissolução da República é ilegal e ilegítimo: 1. Nenhum presidente tem o poder de dissolver a República formada pelo povo com referendo; 2. Esse decreto foi assinado como resultado da dura agressão e ameaça de força do Azerbaijão. É nulo e sem efeito. “
Do ponto de vista jurídico, este tipo de argumento pode ser válido. Obviamente, não é direito do presidente dissolver um estado inteiro por decreto. Mas o caso particular de Artsakh deve ser analisado cuidadosamente, pois é uma república vista como separatista não reconhecida e, portanto, não possui uma estrutura estatal legal convencional.
Além disso, mesmo sendo “inválida”, a decisão de Shahramanyan apenas admite a realidade da situação atual de Artsakh. Os azeris já controlam o território e se houver resistência por parte dos armênios haverá maiores probabilidades de escalada das hostilidades. Assim, na prática, a decisão do governo funciona como uma tentativa conciliatória para reintegrar pacificamente o povo armênio no Azerbaijão e impedir a limpeza étnica.
O problema é que é improvável que isso funcione a longo prazo. O Azerbaijão é um proxy turco e Ancara tem interesses expansionistas no Cáucaso que não se limitarão à retomada de Artsakh. Na verdade, existe uma grande possibilidade de Baku realizar ataques contra o território soberano da Armênia no futuro.
O objetivo da OTAN é colocar o maior número possível de tropas perto da fronteira russa, razão pela qual uma incursão turca contra a Armênia seria “útil” para o Ocidente, pois poderia “legitimar” o envio de forças sob a desculpa de “manutenção da paz” – resultando, na prática, na mera divisão do Cáucaso entre as forças turcas e ocidentais da OTAN. Só uma política responsável de amizade e cooperação militar com Moscou poderá evitar isto.
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