A sanha tola com que pessoas rasas em História e impregnadas de ideologia de butique se jogaram sobre o cadáver de Henry Kissinger demonstra que falta aprofundamento e estudo a essa geração de neoesquerdistas.
O político já estava fora do cenário global há 40 anos. Nesse período, o planeta só piorou.
Teoricamente era para a nossa humanidade ter melhorado bastante. Aconteceu exatamente o contrário.
Kissinger é um homem de sua época, quando um mundo bipolar era dividido por um simbólico muro e uma invisível cortina, apelidada simpaticamente de “Cortina de Ferro”.
Uma batalha ideológica era travada por dois gigantes, um de cada lado. Não havia maus nem bons, pragmaticamente falando.
Havia um respeito mútuo que ia além da visão do homem comum, respeito este compreendido por poucos. Atribuir aleatoriamente guerras e massacres do período à intervenção direta dele ou de seu grupo durante esse período, denominado Guerra Fria, é uma meia verdade.
Como já sabemos, uma meia verdade também é uma meia mentira. Noventa por cento de suas intervenções se deram através de “oriundis”, militares e civis de alta estirpe desses países, que, movidos quase em sua totalidade por sede de poder e corrupção, serviram à sabotagem de seus próprios países.
Por incrível que pareça, a Guerra Fria era, mais ou menos, a “batalha” fake entre o pastor neopentecostal picareta e o seu comparsa, o demônio. A briga é fundamental, jamais será extinta. Enquanto ele existir, haverá emprego para o pastor, ou melhor, para ambos.
Na geopolítica global dominada por homens como Kissinger e Andrei Gromiko (chanceler soviético), o pensamento era exatamente este: a briga animava a patuleia, mas, por trás, mantinha regras de coexistência mútua.
As maiores mazelas presenciadas no planeta ocorreram quando esse muro ruiu, quando essa Cortina de Ferro desapareceu, e isso não foi obra de Kissinger nem de seu grupo ideológico.
A morte do “demônio”, no final das contas, está fechando a igreja do pastor neopentecostal que teve a brilhante ideia de exterminá-lo. Esqueceu, no entanto, que a sua morte também havia de torná-lo descartável…
As políticas externas de Kissinger não foram responsáveis pelo fim do muro, da cortina, da URSS. Esta conta cabe a seus sucessores.
Quem executou esse plano foi exatamente o anônimo e maléfico neoliberalismo. Este, sim, o grande mal da humanidade.
A perversidade do neoliberalismo se dá exatamente pela sua estrutura corporativa e anônima.
Não há espaço para que apareçam novos gênios como Kissinger ou seu análogo soviético Gromiko. Nesta geração, o “mal” e a “perversidade” não têm face.
Hoje é um Antony Blinken, amanhã pode ser um John Smith qualquer. O neoliberalismo não tem cara, tem método.
Nossa geração é desprovida de líderes ou ícones para jogar na fogueira. São todos passageiros e descartáveis.
O próprio neoliberalismo é o grande impulsor da obsolescência programada, que vai do seu liquidificador ao extinto Henry Kissinger.
Este homem do seu tempo fez o que foi necessário por sua nação. Enquanto do outro lado os líderes se portavam da mesma forma, havia o equilíbrio.
Ele sabia exatamente onde estavam os limites. De forma oposta, no momento neoliberal em que vivemos, a cada movimento “genial” o planeta afunda mais e mais.
Um planeta que permite Netanyahus e Zelenskis é infinitamente mais perigoso do que no outrora com Kissingers e Gromikos.
Deus tenha piedade deste planeta, porque nele o mal que tinha cara e culpados deu lugar ao mal coletivo e à inocência individual.
Uma geração sem culpados…
Rubem González
Kissinger era um homem perverso! Isso é fato historico e inegavel