Por Diego Abreu.
Ao longo das últimas semanas, diferentes regiões do Brasil sentiram na pele o descaso e a irresponsabilidade criminosa da ENEL, estatal italiana que atua em nosso país na área de distribuição de energia. Só na minha cidade, houve todo tipo de absurdo: de gente ficando mais de uma semana sem luz até morador tendo que trepar em árvore para cortar galho que caiu sobre a fiação elétrica de sua rua. Passada a fase mais aguda da crise, surgem algumas perguntas: a empresa ou qualquer um de seus diretores no Brasil está sofrendo algum tipo de responsabilização jurídica pelo flagrante descaso observado nas últimas semanas na manutenção da estrutura de distribuição elétrica? Algum tipo de reparação está sendo providenciada aos inúmeros usuários da rede que tiveram prejuízos incontáveis por conta da inoperância da Enel? Os comerciantes que perderam todo o seu estoque de produtos perecíveis estão recebendo algum tipo de indenização da empresa?
A impunidade com que a Enel foi premiada em face do seu descaso criminoso nas últimas semanas nos ajuda a entender a mais recente tragédia que se projeta sobre o nosso país: o risco iminente de afundamento de vários bairros em Maceió por conta da mineração predatória da Braskem. Essa catástrofe, que está em vias de encontrar seu ponto de culminância, já se arrasta desde 2018, ano em que os primeiros sinais dos danos geológicos causados pela mineração começaram a emergir. Desde então, a empresa se preocupou mais em buscar toda sorte de chicana jurídica para tentar dissimular a sua evidente culpa pelo desastre do que em investir na atenuação das consequências destrutivas de sua ganância e rapina.
A impunidade com que a Enel foi premiada em face do seu descaso criminoso nas últimas semanas nos ajuda a entender a mais recente tragédia que se projeta sobre o nosso país: o risco iminente de afundamento de vários bairros em Maceió por conta da mineração predatória da Braskem. Essa catástrofe, que está em vias de encontrar seu ponto de culminância, já se arrasta desde 2018, ano em que os primeiros sinais dos danos geológicos causados pela mineração começaram a emergir. Desde então, a empresa se preocupou mais em buscar toda sorte de chicana jurídica para tentar dissimular a sua evidente culpa pelo desastre do que em investir na atenuação das consequências destrutivas de sua ganância e rapina.
As mesmas perguntas levantadas no caso da Enel também cabem na mais nova catástrofe da semana: quantos executivos e diretores da Braskem estão respondendo juridicamente por suas práticas irresponsáveis? Todas as pessoas deslocadas de suas comunidades e apartadas de suas vizinhanças estão recebendo compensações minimamente condizentes com o transtorno e o sofrimento que esse episódio lhes causou?
O desfile de atrocidades criminosas cometidas pelas duas empresas citadas esconde um crime anterior, praticado contra a totalidade da população brasileira, e que serviu de base para os desastres e tragédias posteriores que o nosso país vem colecionado ao longo das últimas décadas. Refiro-me ao processo generalizado de doação onerosa de patrimônio público (conhecido pelo eufemismo de privatização) que se iniciou em nosso país com a ascensão do Consenso de Washington na década de 1990. Para quem não conhece a história da empresa, a Braskem foi fundada em 2002, como produto da fusão de seis empresas: Copene, OPP, Trikem, Nitrocarbono, Proppet e Poliaden. Essa integração formidável foi resultado da política de “desestatização” do setor petroquímico brasileiro, que teve no ultraneoliberal governo FHC o seu ponto culminante. A redução da participação acionária do Estado na Petroquisa e o leilão da participação do Banco Econômico no controle da Copene foram os passos definitivos para a consumação da transferência de grande parte dos ativos públicos no setor para mãos privadas, permitindo o surgimento do conglomerado da Braskem a partir do controle especialmente da Copene, que atuava de forma competitiva em boa parte da cadeia de produção da indústria petroquímica nacional.
A carnificina produzida pelo neoliberalismo é dissimulada e se oculta por trás das brumas da negligência e das tramoias de bastidores, camufladas como operações de mercado. Com o luxuoso auxílio do ocultamento realizado pela grande imprensa nacional, comparsa no butim, as tragédias econômicas, sociais e naturais ocasionadas pela precarização de serviços, doação de patrimônio e negligência administrativa de indústrias e setores produtivos sensíveis se tornam atos sem agentes, crimes sem culpados; como se a destruição causada pela ganância, pelo descuido e pela irresponsabilidade não lesasse a sociedade da mesma forma que o malfeito oriundo do dolo.
No episódio da Braskem em Maceió, não esperem que a grande imprensa aponte para o efeito deletério e catastrófico das privatizações e da rapina neoliberal sobre o Brasil. De tudo se falará, menos disso. A culpa vai ser jogada nas mudanças climáticas, na Petrobrás, na Prefeitura de Maceió, na emissão de carbono, nas atividades produtivas em geral, no ciclo das marés, na posição das estrelas, em algum otário alçado à posição de bode expiatório ou nos brasileiros que consomem produtos que levam como insumo em alguma fase de sua produção o sal-gema explorado pela empresa. Todo o estardalhaço que já está se fazendo (e vai aumentar) em torno desses falsos agentes causadores ou desses “bois de piranha” tem apenas um objetivo precípuo e inequívoco: ocultar do grande público a verdadeira explicação para o conjunto de desastres que vêm assolando o nosso país nos últimos anos: a submissão de setores produtivos de alta complexidade e de grande impacto ecológico, econômico e social às mãos livres e impunes de conglomerados privados comprometidos apenas com o máximo de exploração e rapina dos recursos naturais e humanos do Brasil. Mariana, Brumadinho e, agora, Maceió não são ocorrências isoladas; são capítulos interligados no enredo de destruição do nosso país, iniciado com a ascensão do neoliberalismo no Brasil, que transferiu o eixo do poder nacional para uma casta política de costas para o país e transformou o patrimônio brasileiro em objeto de constante espólio das oligarquias nativas e forasteiras.
A iminente tragédia de Maceió me dói de maneira especial. Parte significativa da minha família vem das Alagoas. Já estive inúmeras vezes na capital: uma cidade linda, charmosa e brasileiríssima em todas as suas cores e sabores. Essa dor se converte em revolta diante dos agentes responsáveis por essa catástrofe: desde os operadores da empresa até os defensores (os imbecis e os remunerados) dessa agenda neoliberal, que, desde sua ascensão, só trouxe desgraça e morte para o nosso país. O afundamento (literal) de Maceió não deve ser entendido de forma isolada. Ele é uma terrível e dolorosa metáfora do rumo tomado pelo Brasil desde a redemocratização: é a queda livre, a “ladeira abaixo”, o desmoronamento de uma das maiores, mais ricas e mais promissoras nações do planeta.
O segundo parágrafo do texto ficou duplicado, poderiam corrigir por favor, pois queria encaminhar para alguns contatos